Quem não é por nós…

Fiquei um pouco receoso ao me aproximar pela primeira vez da entrada do complexo do Cepon (Centro de Pesquisas Oncológicas). Menos pela suntuosidade do prédio do que pela expectativa do que ia encontrar lá dentro: afinal, com que espécie de pacientes você vai cruzar num centro especializado em pesquisa e tratamento do câncer. A primeira impressão que tive, já no interior do edifício, aumentou um pouco meu temor: quanta gente, quantos doentes!

Mas a má impressão começou a se diluir na primeira hora em que fiquei sentado numa fila de cadeiras, encostado à parede, à espera de ser registrado (era minha primeira consulta) e encaminhado: os pacientes que eu esperava ver carcomidos e claudicantes eram pessoas movidas a esperança! Alguns em cadeiras de rodas, outros com cânulas espetadas no nariz ou em outras partes do corpo, mas todos carregando uma aura de quem tem certeza de que está empurrando para um pouco mais longe a perspectiva da morte.

Outra coisa que acabou por desmanchar minha expectativa sombria foi o atendimento: funcionários atenciosos, solícitos, simpáticos, sempre prontos a oferecer um ponto de apoio a quem precisa de todos. Afinal, para tratar uma doença que mais cedo ou mais tarde nos incapacita e nos mata, precisamos de um atendimento carinhoso. Quem não é por nós, certamente estará pouco se lixando para nossas dores, físicas e espirituais.

Quanto a mim, creio que possa adaptar uma frase conhecida: dos males o menor. Em aspecto físico e disposição ainda invejáveis, estou buscando combater, via radioterapia, uma recidiva bioquímica do câncer de próstata, que julguei extinto após cirurgia que me extirpou a dita cuja, em outubro de 2017. Julguei mal, como se percebe: o câncer é insidioso, solerte, traiçoeiro… A cura é algo pouco confiável.

Passei por entrevista com assistente social e consulta com oncologista clínica, que me pediu três exames: PSA, cintilografia óssea e ressonância magnética, todos eles cobertos pelo SUS. Passei também pelo setor de Radioterapia, para marcar consulta com o médico radioterapeuta, que vai estabelecer a forma de tratamento. As coisas me pareceram mais simples depois desse meu primeiro contato com o universo da oncologia.

Detalhe: ao saber que eu era escritor, a assistente social me pediu a doação de livros para alimentarem a biblioteca do complexo, que ajuda os pacientes internados a pensarem em outra coisa que não em sua própria finitude.

Marco Antonio Zanfra

4 comentários

  1. Que bom, Marquito, nada melhor do que encarar as dificuldades que aparecem ao longo do trecho que percorremos! Que tudo flua para o bem! Sempre!
    Saudade!

  2. A minha experiência foi como acompanhe em 2006. Meu namorado, já tinha sido operado do câncer de próstata mas, foi para o tratamento de rádio. Ele, estava com 50 anos e nesse processo resolveu terminar o namoro, acreditando que estaria me levando aos 45 anos para uma vida de tristeza.

  3. Zanfra, belo relato. Só um escritor do teu calibre pra nos contar com tanta sensibilidade como foi essa visita. Como jornalista e escritor, você vai tirar de letra (desculpa o trocadilho).

  4. Força e fé! Que bom que ainda tem gente boa neste mundo! E que ainda tem gente que tem blog! Assim como você e eu! Rsrs

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