O quiabo que me carregue

Podemos começar com uma pergunta: o prezado leitor gosta de quiabo?

Não? Não gosta, simplesmente, ou não suporta? Alguma razão aparente para a antipatia? É gratuita? Ou nunca comeu e sequer sabe o gosto? Ou tem algum trauma com a baba?

Pois eu devo confessar que amo quiabo, e o tenho entre meus pratos prediletos!

O fato de eu apreciá-lo não me dá o direito de cobrar dos leitores a mesma idolatria ao fruto, porque, como diz o ditado, preferência e bunda cada qual tem a sua. E, além disso, parafraseando outro dito popular, o que seria da berinjela, cenoura, chuchu, jiló e beterraba etc. se todos gostassem do quiabo? Por isso, o que me resta fazer para, quem sabe, arrebanhar novos adeptos, é enaltecer o que ele tem de bom.

Para começar, sim, o quiabo é um fruto, e não um legume, porque tem sementes internas, como o tomate. O abelmoschus esculentus tem muitas fibras, vitamina C, ácido fólico e antioxidantes. Suas sementes são ricas em proteínas e auxiliam no trato intestinal. Chegaram até a inventar que o quiabo ajudaria no tratamento de diabetes, mas isso não foi cientificamente comprovado. Ainda.

Quer dizer, o bicho é brabo, cheio de trelelês! Mas, como o tema que o professor passou para a redação é culinária, cabe a mim apenas exaltar suas qualidades no prato. E para isso não existe jeito melhor do que repassar algumas dicas de como o fruto baboso pode ser preparado.

Anote: ele vai muito bem refogado, com carne moída, frango, carne seca ou linguiça, fresca ou defumada. Ensopado, é maravilhoso com camarão ou alguma moqueca de frutos do mar. Levemente cozido, pode ser temperado como salada. Por último, mas não menos delicioso, fica perfeito como tempura. Anote-se que essas receitas foram todas executadas por mim e avaliadas por minha própria pessoa.

Fora essas experiências pessoais, já o vi nadando no meio de um caldo de feijão e trespassado por um espetinho de carnes num churrasquinho. Ou seja, o céu é o limite! Ou o Google: basta procurar e você encontra risoto de quiabo, quiabo com batata, sopa de quiabo, atum com chips de quiabo, frango ensopado com quiabo e amendoim, quiabo assado com tomate cereja, cozido de feijão verde com quiabo, macarrão com quiabo e quiabo com leite de coco.

Para mim, vai de qualquer jeito. Com ou sem baba – de preferência com, porque a baba é o ingrediente gregário, o que une os pedaços de quiabo entre si e com as demais peças da receita. Em tempos de polarização, nada como um elemento de união. Se for delicioso como o quiabo, melhor ainda!

Mudando de assunto

Estava outro dia tranquilamente fritando um ovo para embelezar e dar mais gosto ao quase sempre insosso arroz branco – e cuidava principalmente de manter intacta a estrutura da gema, para ter o prazer de esparramá-la caudalosamente sobre os grãos secos – quando tive um insight, meio desanimador para aquela ocasião: lembrei-me de que aquele círculo amarelo, perfeito, convexo, apetitoso, cercado por uma estrutura irregular branca, não menos apetitosa, havia sido concebido para, submetido aos procedimentos de praxe, transformar-se numa miniatura de frango!

Assim: não deixava de ser um ovo, com a gema ainda convidativa, mas, se eu enxergasse o conjunto chiando no calor da frigideira um pouco além no futuro, estaria fritando um projeto de frango. Se ainda quisesse escorregar a gema sobre o arroz branco teria de esmagar impiedosamente um pintinho recém-nascido e despejá-lo no prato. Certamente, o amarelo não seria tão vivo, e o resultado, menos caudaloso!

Antes de prosseguir, quero garantir que a epifania não alterou meus planos em relação ao ovo frito. Mas acompanhei a fritura resumindo uma aula de biologia: tendo a clara como um simulacro do líquido amniótico, restaria àquele convidativo néctar amarelo, que em alguns poucos minutos estaria sobraçando meu arroz, ser todo o resto da criação: ossinhos, bico, órgãos internos, penas, pés, coxa e sobrecoxa…

Como poderia uma simples gema tornar-se tudo isso? Em que parte da calota amarela estaria escondido cada um desses componentes que montaria o protótipo de um frango que, quem sabe, eu poderia comer assado algum tempo depois?

Não cheguei a nenhuma conclusão, mas contei esse desvario para minha mulher, e ela jurou nunca mais fritar um ovo! 

Marco Antonio Zanfra

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