Mundo virtual

Acho que nasci para viver num universo holográfico, um mundo virtual. Confesso que gostaria de que certas coisas na minha vida estivessem de longe, apenas ao alcance da visão e de como o cérebro processaria essa visão. Coisas reais me irritam, às vezes dão medo, na maioria dos casos eu poderia muto bem passar sem elas.

Gatos, por exemplo. Passo horas de enternecimento vendo vídeo de gatinhos fofos no Instagram. Não sei quantas versões felinas já vi da música APT, de Bruno Mars e Rosé, e sorri embevecido em todas elas. E aqueles filhotinhos com ar angelical e indefeso, os olhinhos curiosos ainda espantados com o mundo novo…

Gatos virtuais são um barato! Divirto-me com as peripécias de gatos saltando depois de um susto, subindo em paredes, andando no topo de um portão, distribuindo tapas na cabeça de cãezinhos indefesos, derrubando coisas, entrando em buracos inimagináveis para dormir… Em resumo, fazendo gatices.

Mas tenho um gato analógico em casa e é diferente, a relação não é das melhores. Motivo principal: ele é de verdade. Ele gosta de mandar e eu não gosto de obedecer. Ele me olha com olhar superior e eu não abaixo a cabeça. Ele acha que estou aqui para servi-lo, mas em casa só quem manda em mim é minha mulher. O que eu gosto de gatos virtuais eu não suporto em gatos reais.

Neve é outra coisa que não suporto. Aquelas neves eternas no cume das montanhas, aquela camada branca virginal cobrindo os arbustos, aquela imensidão desértica a perder de vista, como um tapete macio e imaculado… tudo isso é muito lindo – mas de longe, pela janela, em vídeo, em foto. Encarei a neve real quando morei no Japão e nunca passei tanto frio, tanto enregelamento, tanta dor causada pelo frio e pelo enregelamento. Tive de encerar a neve de bicicleta e isso em tese elimina qualquer romantismo que a paisagem possa inspirar. Neve real não dá!

Uma terceira situação com que eu preferia conviver virtualmente – e que me perdoem os seres humanos em geral pela heresia – é aturar crianças. Nunca tive paciência com elas. Tenho duas filhas e dois netos, mas nem por isso recebo um certificado de que posso (ou podia, na infância delas) conviver com eles, ininterruptamente, por mais que algumas horas. Acho que isso se resume, no meu caso, em egoísmo.

Não é falta de amor, quero deixar claro. É falta de paciência, mesmo! Adoro meus netos, mas não aguento muito tempo a bagunça que fazem. Sinto saudades do tempo em que eram menores – e curto muito as fotos antigas deles – e resumiam nossos encontros a algum barulho e muito soninho. Hoje, eu quero paz de crianças dormindo, já resumia Dolores Duran em ‘A noite do meu bem’.

Mas – e sempre há um mas – os netos estão aí, reais. O gato continua real e tentando mandar em mim. A neve está longe, felizmente, e não pretendo chegar perto. A vantagem é que o mundo virtual também está perto, e nós podemos nos aliviar um pouco da vida real dedicando um pouco de nosso tempo ao Instagram.

Marco Antonio Zanfra

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