Não podiam faltar arroz e feijão em casa, quando eu era criança.

Aliás, não só podiam faltar como eu torcia para que faltassem. Faltassem e fossem substituídos por outras comidas. Acho que à época, 70 anos atrás, ninguém sabia o que poderia substituir o arroz e o feijão. Pelo menos em casa ninguém sabia ou não tinha dinheiro para comprar um eventual substituto. Hoje, o feijão pode ser substituído por lentilha, grão de bico, ervilha. Já o arroz, talvez por batata.

Ansioso, eu esperava pelos domingos, quando tinha macarrão. E claro, arroz e feijão. Comíamos tudo junto.

Mas, apenas arroz e feijão já era um luxo. Meu irmão mais velho, já falecido, Norival, adorava comer apenas arroz e feijão. Sem mistura, sem aditivos. Nada mais. Enchia um prato fundo de arroz e jogava muito feijão por cima. Comia com colher. E, se deliciava.

Me contou, tempos atrás, que quando morávamos em Jaboticabal, onde nasci, e ainda era bebê, meu pai, Samuel, tinha dinheiro apenas para comprar fubá. Nessa época, ainda sem arroz e feijão. Para temperar o fubá, e sem dinheiro para comprar sal, meu irmão Norival entrava escondido no curral dos bois e roubava deles um punhado de sal em pedra. Minha mãe, Ercília, lavava a pedra e moía para salgar a polenta, feita de fubá.

Tive sorte. Já com todos morando em São Paulo, podíamos comer arroz e feijão.

“Qual é a mistura?”

Eu sempre perguntava para minha mãe Ercília, antes de me sentar à mesa.

Maliciosamente, ela sorria para mim e dizia: “Hoje temos frango”.

Felicidade total, embora hoje em dia eu não goste muito de frango. Na ocasião, era uma alegria. Só que quando me sentava à mesa, via meu prato com arroz e feijão (lógico) e chuchu. Ela chamava o chuchu de frango para me estimular a comer legumes e valorizar o que tínhamos no prato.

Outras vezes, a mistura, nomeada por ela, era porco. E no prato, arroz e feijão e abobrinha. Adoro abobrinha, mas não como porco hoje em dia.

A grande sensação era quando minha mãe decidia fazer Cambuquira. Arroz e feijão e cambuquira refogada. A cambuquira é uma planta extraída das plantações de abóbora. As flores amarelas, antes de virarem abóbora, e as folhas novas são chamadas de cambuquira.

Eu pegava uma sacola de feira, uma faca e ia alegremente até o vizinho da frente de casa, que tinha uma plantação de abóboras. E pedia um pouco de cambuquira. Entrava no quintal dele e enchia a sacola. Isso sim é que era mistura!

Outra verdura que nos acostumamos a comer foi a couve manteiga. Todo mundo tinha uma pequena plantação de couve em casa. Era fácil produzir e custava barato na feira.

Couve refogada também ia bem com arroz e feijão. E como sempre havia muita couve, a mistura sobrava para o dia seguinte. Hora de fazer sanduiche de couve: pão, mesmo amanhecido, e couve fria. Não precisava mais nada.

Atualmente, verduras e legumes já não são muito valorizados pelos jovens.

Dia desses, minha mulher Ernesta ofereceu salada para minha neta Rafaela e sua amiga de escola. A resposta da amiga:

“Não como árvore”.

Nereu Leme

Um comentário

  1. Meu tio amado, já não sou mais uma menina e cada dia que passa tenho mais orgulho da minha família, da minha origem, hoje entendo tudo que vcs mais velhos passaram, todo crescimento que tiveram , que falta me faz meu pai e suas histórias de vida . Parabéns de coração te amo muito muito 😘😘😘

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