No campo da sedução

Tinha eu seis, sete anos, morava com meus pais em um sítio, no município de Divinolândia, a cerca de 270 quilômetros de São Paulo. A bem da verdade, a cidade só passou a existir oficialmente dois anos após o meu nascimento.

Antes disso, o lugar era conhecido como Sapecado, comarca de São José do Rio Pardo, a aproximadamente 20 quilômetros dali. Dizem que o nome Sapecado se deve a um tropeiro distraído, que esqueceu o fogo aceso, e este “sapecou” o rancho que lhe servia de abrigo. 

Cidade de bons ares, nas franjas do lado paulista da Serra da Mantiqueira, Divinolândia tinha até um hospital para tuberculosos, hoje desativado. Vivia (vive até hoje) do cultivo da batata, cebola, café e da pecuária de leite.

Nosso sítio ficava a pouco mais de dois quilômetros do centro, à beira da estrada de Caconde. Tínhamos uma vaca, porcos no chiqueiro, galinhas e patos. Abastecia a casa uma mina d’água, distante uns 300 metros, perto de umas araucárias, onde fazia ninhos um bando de gaviões amarronzados, que conhecíamos como Casaco de Couro.

Para os meus parâmetros infantis, eram enormes, bem maiores que um condor, por exemplo. Como botavam o terror no terreiro, sempre que tinha galinha com pintinho, uma das minhas tarefas era vigiar os céus, para evitar um ataque iminente. Tinha outras, impedir que os pintinhos fossem levados pela enxurrada, tratar da criação, catar lenha, buscar água na bica.

Meu pai trabalhava na roça, minha mãe cuidava da casa, criava frangos e fazia queijos para vender na cidade e ainda costurava muito. Recebia frequentemente visitas de suas freguesas das vilas e fazendas da região.

Certo dia, apareceu lá em casa uma dessas clientes, acompanhada da filha, uma menina um ou dois anos mais velha que eu, muito bonita. Claro, tudo dentro dos meus padrões de então.

Enquanto nossas mães negociavam, fiquei de cicerone, a mostrar as atrações do sítio para minha visita. Conversa daqui, conversa dali, passamos a tarde entretidos a andar pelo quintal. Fomos ver os porquinhos, o bezerrinho, os patinhos, a bica d’água, o paiol, essas coisas que só quem já morou no campo conhece. Em tão agradável e bela companhia, é claro que nem vi a hora passar.

A certa altura do passeio, a menina se vira e me pede candidamente: “Deixa eu ver seu pinto!?” Levei um baita susto. Explico: já não era assim tão inocente dessas coisas, apesar de ser uma criança criada sozinha, mas a surpresa veio da forma direta com que o pedido foi feito. Não era capaz de imaginar, à época, que meninas sempre se desenvolvem primeiro que meninos. Parecem estar pelo menos uns cinco anos à nossa frente.

Passado o susto, empolgado com a possibilidade, comecei a procurar um lugar mais escondido e aconchegante. Fomos primeiro ao paiol, não, era muito exposto. Lembrei-me então do porão, onde guardávamos enxadas e outras ferramentas. Peguei um saco de estopa, estendi no chão e, quando me preparava para atender o pedido da minha nova amiguinha, ouvimos o grito de sua mãe, que a chamava para irem embora. Tentamos protelar, mas não adiantou; ela já estava na porta do porão.

O episódio permaneceu durante muito tempo na minha memória de garoto. Lamentava, às vezes, por ela não ter feito o convite mais cedo. Como minha mãe, já falecida, fosse muito brava, só fui lhe contar a história muito tempo depois, acho que já estava casado. Só por curiosidade, é claro. Tinha ela uma memória de elefante, me falava de coisas de sua infância mais tenra, mas nunca se lembrou do nome dessa freguesa e da filha dela.

Para mim, sobrou aquela sensação do cavalo que passou arreado e eu não montei… Sem dúvida, minha primeira frustração amorosa!
 
Manoel Dorneles

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