Confesso que sempre fiquei meio cheio de dedos antes de colocar a condição de ‘escritor’ diante de meu nome, quando preencho algum formulário ou me identifico nas redes sociais.
O mesmo não acontece com ‘jornalista’, claro: afinal, apesar de não estar mais exercendo a profissão, eu a exerci por quase quarenta anos, tenho registro profissional, diploma, currículo, histórico e o escambau. Tenho substância, em resumo.
Por isso, posso identificar-me como jornalista até morrer. Não posso (e não quero), em hipótese alguma, e em lugar algum, me identificar com o genérico ‘aposentado’.
Mas com ‘escritor’ é diferente. Deve haver algum parâmetro que, caso você obedeça, pode dizer de boca cheia que é escritor, sem que alguém duvide, olhe para você de soslaio e com um sorriso meio irônico no canto da boca. Mas eu não sei qual é essa condição básica e por isso às vezes me acho meio pedante ao assumir uma qualificadora que posso talvez nem merecer.
O que é preciso, afinal, para você dizer sem pudores que é escritor? Publicar um livro? Publicador dois livros? Publicar três? Ter registro em carteira? Currículo Lattes? Viver da profissão? Ser filiado a alguma entidade de escritores?
(Abro aqui literalmente parênteses para tocar num desses pontos cruciais: quem, afinal, vive da profissão de escritor? Dan Brown, Harlan Coben, Paulo Coelho, Mary Higgins Clark, Rubem Fonseca, Patricia Cornwell, Lawrence Block? Parece-me que não passam de meia dúzia de sete ou oito num universo estimado, por baixo, em oitocentos a novecentos mil escritores no mundo todo. Só no blog ‘Como eu escrevo’, do José Nunes, há mais de três mil entrevistas com escritores brasileiros)
Mas e os demais? Eu, por exemplo, não tenho registro em carteira como escritor, não sei como se preenche um Currículo Lattes, não sou filiado a nenhuma associação de escritores. Quanto a ‘viver da profissão’, sou um daqueles muitos – muitos, mesmo! – que acabam soltando algum por fora para ajudar a ver o livro publicado.
Então, só me resta o critério produtividade: tenho quatro livros publicados – As covas gêmeas (Editora Brasiliense, 2010) e A rosa no aquário (Editora Unisul, 2018), O beijo de Perséfone (Editora Unisul, 2019) e Agora e na hora de nossa morte (Amazon, 2022) – todos eles disponíveis na forma impressa e em e-book. Isso bastaria?
Alguns amigos que cruzam comigo por aí costumam me saudar com uma “fala, grande escritor!”, mas eu nunca sei se estão falando sério ou sendo jocosos. Mas também não sei se pensar que eles podem sendo jocosos não passa de um grande problema de autoestima de minha parte!
Será que escritores de verdade têm esse tipo de insegurança? Será que escritores de verdade estariam ocupando o tempo de seus leitores com esse tipo de problema? Será que escrevendo este parágrafo final eu estarei fornecendo combustível para minhas já inflamadas dúvidas?
Zanzan, meu filho, você É ESCRITOR. Não só por ter publicado quatro livros, tê-los vendido pelas vias normais, enfim… Você pode não ser ainda um escritor best-seller, mas escritor-escritor vc é.
Sobre as incertezas, inseguranças e que-tais, descobri que elas fazem parte do pacote. Trabalhei com figuras como Lauro Cesar Muniz e Hector Babenco e descobri, fascinado, que eles padecem das mesmas incertezas diante do papel ou tela em branco. Bem vindo ao clube.
E só uma correção: Rubem Fonseca não vive mais de literatura. Não vive mais, ponto.
Morreu pra você, leitor ingrato!