“When I get older losing my hair/Many years from now”
A primeira estrofe da música dá à luz uma primeira dúvida: será que John Lennon teria perdido seus cabelos ao chegar aos sessenta e quatro? E mais, ainda com base na letra: será que Yoko continuaria mandando-lhe presentes do Dia dos Namorados? Será que ela ainda precisaria dele e ainda o alimentaria?
Difícil dizer, já que ele nos deixou estupidamente aos quarenta, e não pôde constatar em si mesmo se o esboço de velhice feito com Paul McCartney em 1967, na música que dá título a este texto, se concretizou. Mas acho que podemos dizer com certeza que ele não chegaria jamais a ser o velho pacato e desmotivado cujo retrato foi pintado por dois rapazes com menos de trinta anos.
[Pequeno parênteses: dizem as más línguas que Paul fez a música sozinho e dividiu o crédito com John por praxe, mas isso não vem ao caso].
Para quem não foi obrigado a partir, como John, os ‘sessenta e quatro’ – como sinédoque de velhice – chegaram. E até passaram. Mas não igual para todos, é claro. A gente costuma ter, quando jovem, uma visão equivocada da velhice. Quando eu era moleque, por exemplo, achava que chegaria – se chegasse – ao ano 2000 caindo pelas tabelas, capenga e amparado por uma bengala ou duas, aos quarenta e quatro anos! Quarenta e quatro!!! Na minha visão infantil, era já o ocaso da minha existência o que hoje se considera a meia idade!
Paul, nós sabemos, continua ali, ativo, cabeludo, cantando até em bailinho de formatura… E John, caso se concretizasse a teoria do filme ‘Yesterday’ e os Beatles não tivessem existido, obliterados que foram por um apagão global, também estaria vivo, cabeludo, míope, mas seria apenas um solitário idoso inexpressivo, provavelmente ex-bancário, a quem restaria observar pacientemente, aos setenta e seis anos, as tardes chegarem e irem embora, em sua casinha também inexpressiva à beira do mar da Irlanda.
Mesmo na música, a gente imagina que, além da calvície e da persistência ou não do espírito namorador, chegar aos sessenta e quatro significava a acomodação em vida: “I could be handy, mending a fuse/When your lights have gone/You can knit a sweater by the fireside/Sunday morning go for a ride/Doing the garden, digging the weeds/Who could ask for more?” Tricotar uma blusa à beira da lareira, arrancar ervas daninhas no jardim, fazer umas caminhadas a passos lentos, no máximo trocar um fusível… O que mais o ‘velhinho’ ia querer?
Mas o que se vê hoje é gente aos sessenta e quatro que ainda não parou de trabalhar – nem vai parar, em vista da reforma da Previdência! Tem idoso que se aposentou e voltou ao batente, porque os caraminguás da aposentadoria não garantem o sustento e os remedinhos! Tem gente que nunca contribuiu para o INSS e hoje, aos sessenta e quatro ou mais, trabalha doze a quatorze horas na segunda para garantir o pão com mortadela da terça.
Cadê então a poética enxergada por Lennon e McCartney há quase sessenta anos? A vida real a engoliu? Chegar aos sessenta e quatro hoje nem valeria, pois, uma música?
O que quero dizer, se me permitem uma pequena órbita em torno do meu umbigo, é que a poética está na visão de quem a enxerga. Um pôr do sol num horizonte nublado ainda é um pôr do sol. Para mim, no caso, ainda é poético chegar aos sessenta e quatro, não tanto pela idade em si – e pela vida real em torno dela – mas pelo fato de os Beatles, meus eternos ídolos, terem cantado a respeito. Chego aos sixty-four neste 12 de abril ainda com cabelos (embora mais ralos), ainda curtindo namorar (embora com menos ímpeto), e substituindo fusíveis, disjuntores, resistências de chuveiros, torneiras e telhas quebradas, além de outros pequenos afazeres domésticos.
E, não é nada, não é nada, já ganhei vinte anos além do que havia estabelecido, quando garoto, como limite de minha vida útil!