Um Carnaval de pancadaria

Oi abre alas que chegou Nega Fulô e chegou de verde e branco espalhando seus encantos como a filha de Nagô.

A letra do samba-enredo da escola Camisa Verde e Branco, Essa tal Nega Fulô, pedia ao povo amontoado ao longo da avenida São João, para abrir espaço, para ver o desfile das escolas de samba de São Paulo. Era o Carnaval de rua de 1974. Depois, o desfile foi transferido para a avenida Tiradentes e mais tarde para o sambódromo, no Parque Anhembi.

Era o meu primeiro Carnaval como repórter da Folha de S.Paulo. Fui para esse jornal, depois de deixar o Jornal da Tarde, como especialista em trânsito. Hoje, a especialidade seria Mobilidade Urbana.

No Jornal da Tarde ficava uma semana inteira estudando e analisando o trânsito de uma avenida ou uma micro região da cidade para apontar as falhas e problemas de fluxo de veículos, buracos na via, falta de faixa ou semáforo para pedestres.

De repente, caiu no samba, ou pelo menos no meio dele para cobrir os desfiles. E tinha que ser na hora. Deixava a avenida, depois da festa e ia para casa dormir. Continuava ouvindo a batucada a noite inteira. Depois do almoço, ia para a redação escrever a matéria.

Fiz a cobertura de Carnaval para a Folha durante 10 anos. Os repórteres e fotógrafos eram sorteados para esse plantão de cinco dias de maratona na avenida. Menos eu. Eu sempre era voluntário, aliás o único da redação.

Voltando ao desfile, o povo não abriu alas. Não obedeceu. Queria ver o desfile de carnaval de perto, que era de graça, mesmo espremido nas grades colocadas ao longo da avenida São João.

As escolas de samba, então, se recusaram a desfilar, por falta de espaço para as evoluções dos passistas e porta-bandeiras.

A polícia, na época da ditadura militar, resolveu intervir.

Sem dó nem piedade, a polícia jogou cachorros e cavalos para cima do povo. Usou bombas, cacetete. Pôs muita gente para correr e a alegria virou tristeza. A polícia abriu espaço, mas expulsou o povo. E aí? Desfilar para quem?

Foi quando a imprensa se revoltou. Todos os fotógrafos e cinegrafistas colocaram as máquinas no chão. Os repórteres sentaram-se no meio da avenida. E, deram um ultimato à polícia: “ou param com as agressões ou os desfiles não terão cobertura de imprensa”.

Já ameaçava não ter público e agora sem imprensa, o capitão da polícia resolveu suspender a repressão.

A Escola de Samba Camisa Verde e Branco entrou na avenida São João com seu samba-enredo “Essa tal Nega Fulô” e quando cantava o refrão “Oi abre alas, que chegou Nega Fulô” o povo todo entrou no coro e toda a empolgação transmitida aos integrantes da escola, a levou a ser Campeã do Carnaval Paulistano de 1974.

Nereu Leme

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