Meu labrador Fred tem mania de deitar-se na curva da escada que leva ao mezanino, especialmente depois de comer. Como ele é grande e os degraus da curva são mais amplos, une-se o útil ao agradável, e ele fica lá, com seu ar bovino, observando a falta de movimento na cozinha.
Outra mania dele é vasculhar o chão do jardim, atrás de galhos de árvores, plantas, folhas e pedras para mastigar. É um hábito terrível, que nos obriga a ficar alertas com o que ele traz na bocarra e pode engolir. A única coisa que esse cachorro não mastiga – e deveria mastigar – é o vermífugo Drontal.
Pois bem. Outro dia, deitado ali após comer algumas cascas de maçã, ele fez um leve movimento com a boca e eu ouvi o som de algo sólido. Perguntei o que ele estava mastigando e ele não respondeu. Ficou ali, olhando para mim com seus olhinhos infantis, como os olhos de um bandido. E ficamos alguns segundos parados, um olhando para a cara do outro, como numa cena de desenho animado.
O erro dele foi denunciar que tinha algo indevido na boca enquanto estava deitado no degrau. Ali, ele não tinha como fugir – e nem quero contar o que é ele fugir e nós corrermos atrás! Bastou enfiar a mão em sua boca e retirar um pedaço de azulejo que ele conseguiu desencavar de alguma sobra de reforma antiga da casa. E a vida continuou.
Agora, peço perdão aos leitores: apesar da introdução tão longa, o assunto não é o Fred, não são as mastigações do Fred, e sim o fato de os animais, apesar de passarem a maior parte do dia na ociosidade, jamais serem considerados sedentários. Já o homem… pode ficar duas horas por dia fazendo musculação numa academia; se passar das oito às dezoito horas sentado numa mesa de escritório, será um sedentário!
Sabem por quê? Porque o termo sedentário é derivado do verbo latino sedere, que significa sentar-se. E quem se senta durante muito tempo acaba, segundo a professora de ginástica Cláudia Mello, desvirtuando a função da própria bunda: “Tudo por falta de função nos glúteos, que são três músculos grandes e fibrosos que formam nossas nádegas e existem para facilitar nosso deslocamento em pé, para ajudar o corpo a se manter ereto em movimento. Esses músculos ficam totalmente amassados, esmigalhados, quando sentamos.”
E isso leva ao título do texto, enigmático até aqui: como, segundo a biologia, tudo que não tem função perde a função, o mal uso da bunda leva a tendinite glútea e bursite trocantérica. Estamos vivendo uma verdadeira pandemia desse mal, informa a professora:
“Se você não pratica uma língua que estudou na infância, esquece. Se não treinar um esporte que aprendeu em um acampamento de verão, pode até continuar sabendo as regras, mas não vai mais jogar tão bem. Até andar de bicicleta, que costuma ser o exemplo de algo que, uma vez aprendido, não se esquece jamais, se não tiver prática, não tem solução.”
As revistas de moda e beleza já apelidaram essa pandemia apontada por Claudia Mello como ‘amnésia glútea’, o que seria literalmente a bunda esquecer-se de sua função original e simplesmente tornar-se ‘adormecida’ ou – terror! – ‘mole’. Em inglês o termo é imbatível: ‘dead butt syndrome’, ou síndrome da bunda morta.
Não é uma amnésia real, como a que pode atingir o cérebro. É um termo informal usado para definir a inibição neuromuscular desses três músculos, que pode acontecer por sua falta de uso. Se não for corrigida, entretanto, pode causar dores crônicas, provocar desequilíbrio e comprometer a performance física, inclusive da função para a qual veio ao mundo: a caminhada.
E aí teríamos o significado literal, e não figurado (como covarde, medroso), da expressão bunda mole!