“Pai, fui assaltada!”

Devia ter passado um pouco da meia-noite quando o telefone tocou, na cabeceira da cama. Calculo que fosse pouco mais de meia-noite porque tinha me posto a dormir minutos antes e já estava nas proximidades do reino de Morfeu. O sono, todavia, ainda não havia transposto os suntuosos e nebulosos umbrais da inconsciência.

Mas, voltando ao assunto: telefone tocando altas horas da noite, sabe como é… É prenúncio de desgraça!

A primeira coisa em que pensei foi alguma notícia de morte. Olhei para o visor do aparelho e não havia nenhuma identificação de origem da chamada. Mesmo assim, sonolento, atendi. Uma voz feminina, chorosa, me esperava do outro lado da linha:

 – Pai, fui assaltada!

Ao ouvir a voz feminina, e ainda esperando uma daquelas notícias que a gente não quer ouvir, embora fique sempre preparado para ela, pensei inicialmente que fosse minha irmã. Mas ela certamente não me chamaria de ‘pai’!

E foi então que caiu a ficha…

Não vou mentir: num primeiro momento, a gente fica mexido! Pensei por instantes na filha mais velha, que mora perto de casa: alguma coisa podia ter acontecido com ela e meu neto…

Mas o pensamento ominoso foi muito rápido, coisa de instantes: um clique na memória de repórter – que, apesar de fora de atividade, ainda está operante – trouxe lembranças, já um pouco distantes, de um renitente golpe de falso sequestro, aplicado por presos, de dentro dos presídios: aproveitando-se da fragilidade de pessoas que julgavam ter seus familiares nas mãos de bandidos, eles se sentiam livres para praticar a extorsão.

(Até o vice-presidente José de Alencar caiu nesse golpe, vocês devem se lembrar…)

De minha parte, não culpo as pessoas por acreditarem no embuste! Como identificar, num momento de angústia, que quem está chorando do outro lado da linha não é uma filha sua? Aliás, como identificar no telefone a voz chorosa de quem quer que seja? O golpe é antigo, já deveria ser de domínio público, mas, se as pessoas ainda hoje caem no conto do bilhete premiado, muito mais inverossímil do que um eventual sequestro, por que duvidar da possibilidade de que aquilo é real?

Só sei que na hora passei a ter certeza de que era mentira, de que era golpe, de que queriam me tirar para otário. Àquela altura, tinha certeza, a filha e o neto estavam muito bem guardados em casa, num condomínio fechado, provavelmente dormindo.

Nem sei o que os golpistas pretendiam – antigamente, eram créditos para o celular – nem lhes dei tempo para me explicarem: quando ‘minha filha’ passou o telefone para o ‘sequestrador’ e este – impossível não notar – forçou a voz para parecer durão (não basta ser durão, tem de parecer durão) e disse um “alô” soturno, cortei imediatamente:

– Melhor vocês conversarem diretamente com o marido dela, que é major da PM…

Não sei se meu interlocutor chegou a avaliar a proposta, porque ele desligou na minha cara. E eu acabei me lamentando, no final, por ter cortado a negociação tão rapidamente: poderia ter conversado mais com ele, ouvido seus argumentos, ouvido suas exigências…

Quem sabe nós poderíamos tornar esta nossa historinha um pouco mais saborosa!

Marco Antonio Zanfra

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