Nunca tive uma relação, digamos, muito estreita com gatos. Nem de pequeno, quando morava com meus pais, nem depois de adulto, quando passei a morar sozinho ou me casei pela primeira vez. Na verdade, o Alvin e o Simon (tinha também o Theodor, mas ele se foi precocemente sem me conhecer) só desembarcaram aqui em casa há uns dez anos, após a morte de minha primeira mulher, já no meu segundo casamento.
Primeiro vou falar do Simon, um gatinho até que bacaninha, muito simpático. Era preto e branco (podia ser verde e branco, mas aí já seria quase um periquito). Tinha, a meu ver, o péssimo hábito de lamber seu companheiro, o Alvin. “Não é lamber, é dar banho”, corrige minha mulher, “gatófila” juramentada. Embora ela diga que eles são muito asseados, nunca vou entender essa “lambeção”.
Para ela e demais apaixonados por gatos, a baba deles deve ser “santa e purificada”, como na música “Vide vida marvada”, do Rolando Boldrin, mas eu acho nojento. Também não me conformo com um negócio chamado “bola de pelo”. Vira e mexe, a casa me aparece toda vomitada. Com a maior paciência do mundo, ela vai lá e limpa. Me explica que, ao se lamberem, eles engolem muitos pelos, que acabam expelidos com o vômito. Tem cada uma.
Mas, eu falava do Simon. Quietinho, quase não miava. Era uma espécie de cão de guarda da minha mulher. Onde ela ia, lá estava ele. Outro vício dele eram queijo e mortadela. Confesso, eu sou culpado. Comeu tanto que acumulou gordura no fígado e um dia teve que ser levado às pressas para o hospital veterinário.
Escapou desta vez, mas não de um câncer no pulmão, que o levou pouco depois. Conforme o veterinário, consequência do pó da caixa de areia. Deixou saudades, principalmente, no Alvin, seu parceiro desde a mais tenra infância. Inconformado, o cara miava e “chorava” a noite inteira.
Desgostosa, minha mulher não queria saber de outro gato em casa, mas eu, preocupado com meu sono, a fiz mudar de ideia. Levei-a até a Cobasi do Parque Villa Lobos, em São Paulo, onde ela adotou uma gatinha toda estropiada, que tinha acabado de ser atacada por um cachorro na rua. Tricolor, como quase todas as fêmeas, estava bem feinha na ocasião. A ração boa e os cuidados diários transformaram Brigite Bardot (este o seu nome de “batismo”) numa gata saudável e bonita.
Tudo corria bem, até que Brigite aprontou de novo e, por muito pouco, não foi a óbito. Avançou sobre um vaso de lírios, que esquecemos sobre a mesa, e devorou algumas folhas, imaginando que fosse capim. Foi um Deus nos acuda. O veterinário constatou que a planta lhe afetou os rins e ela teve que passar alguns dias na clínica de hemodiálise.
Sobreviveu mais uma vez. Da mesma forma que o Simon, Brigite vive atrás de minha mulher. Só que a ideia de que ela fizesse o Alvin esquecer o falecido não funcionou. Não apenas o ignora solenemente, como não perde a oportunidade de distribuir patadas toda vez que passa perto dele. Resultado: ele continua miando e chorando a noite toda.
Nem sei porque deixei o Alvin “chorão” por último. Talvez um castigo pelas tantas vezes em que me acordou no meio da noite. Nessas horas, perco a paciência e dou uns berros, o que o acalma por alguns minutos. Tempos depois, ele volta a miar. E assim vai até de manhã.
Justiça seja feita, Alvin é um belo gato. O cruzamento de pai Persa legítimo com uma gata comum resultou num tipo alaranjado, que lembra um pouco o Garfield. Já tem uns 18 anos, o que faz dele um “senhor idoso” e meio caduco, acho. Ele também deve pensar que eu bato os pinos de vez em quando, ou seja, “caduco por caduco, truco”.
A verdade é que não nos damos muito bem. Pode ser culpa minha, claro. Minha mulher diz que trazemos algumas diferenças de “outras vidas”. Aliás, desde os antigos egípcios, dizem que gatos reencarnam e têm um céu só deles. Não acredito muito nessas coisas, acho que o negócio é daqui mesmo. Meus gritos o assustam e ele, ressabiado, passa longe de mim. Com os outros, especialmente visitas, Alvin é muito dócil.
Brigite, ao contrário, vira e mexe, tenta se encostar e mim, “ô trem grudento”. Minha mulher diz que sou pai deles, mas eu dispenso o título, acho que não estou preparado para ser pai, tio ou irmão de bicho nenhum. O máximo que cheguei nessa escala animal foi ser chamado de “Ursinho” na minha juventude. Isso devido à uma barba preta e espessa e aos cabelos encaracolados, mas aí já é assunto para outra crônica…
Manoel Dorneles

Opa! Teremos a crônica do ‘Ursinho’? Isso me lembra a Sossô, da revisão da Folha!