Feliz aniversário

Meu pai tinha uma piadinha pronta para repetir sempre que fazia aniversário. Ao receber os cumprimentos, dizia: “Acho que não emplaco o ano que vem!”

Lembro-me dessa frase repetida todos os anos em que lhe dei os parabéns. Menos no ano em que ele morreu.

Em 15 de agosto de 1988 – ao completar 57 anos, já doente e sabendo que tinha os dias contados – ele expressou um desejo inusitado: “Quem sabe eu chegue aos 58!”

Não chegou.

Em 7 de setembro, vinte e três dias depois de sua manifestação da vontade de emplacar pelo menos mais um ano, ele nos deixaria. O impressionante foi como, nesses vinte e três dias, seu aspecto físico e mental foi rápida e visivelmente deteriorado, tornando-o um pastiche do homem orgulhoso que sempre fora.

Não é difícil entender o que mudou de um aniversário para outro. Quando a morte, apesar de certa, é algo ainda meio impalpável, é fácil permitir-se brincar com ela. Todos riem, e a morte, afinal, não é um personagem real, que se ofenda e nos cobre pelas brincadeiras adiantando nosso derradeiro momento.

Mas quando ela está ali, na esquina, observando-nos com seus olhos fuliginosos, as coisas são diferentes. A certeza de que o fim está chegando faz com que incréus passem a acreditar em milagres – e, pior, em esperar milagres – para conseguir um tantinho mais de vida. Soube de ateus professos tornando-se crentes depois de se defrontarem com um vislumbre das trevas.

Meu pai era assim. Nunca foi religioso, nunca deu bola para nada além da vida que estava vivendo. Mas sentiu medo diante da escuridão que se aproximava. Temeu o desconhecido que ele via mais perto a cada amanhecer. Chegou a pedir que eu o acompanhasse na travessia. Acabou indo sozinho, no entanto.

Não sei como foi sua travessia, não sei se encontrou algo além da escuridão. Sei que, como ele, só vou descobrir o outro lado quando chegar a minha hora.

Marco Antonio Zanfra

4 comentários

  1. Bastante sensível seu texto, Zanfra. Parabéns! De fato, esse momento fatídico, em que damos o último suspiro, nos cobre de temor e curiosidade. Já escrevi sobre isso em minhas crônicas e vou repetir aqui: sei que, como todos, um dia terei de partir. Nesse dia deixarei bem claro ao Criador… estou indo sob os mais rígidos protestos! No meu velório, inevitável, serei colocado no pedestal dos bons e serei chorado e relembrado, como normalmente acontece nessas ocasiões. Só desejo que, na hora final, quando tamparem meu caixão, alguém comece a gritar: “Ele se mexeu! Ele se mexeu!”

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