Quem recolhia os ingressos na porta do teatro, depositando-os numa caixa comprida com uma janela lateral de vidro, era um homem alto, bonitão, com corpo atlético. Até aí, nada de mais, porque não há um padrão para determinar tamanho, porte e beleza de porteiros… Só que, um pouco depois, você percebia que, no palco, era o mesmo homem da portaria, desta vez nu e com o pênis em riste, não mais recolhendo ingressos, mas comendo de todas as formas possíveis uma mocinha morena, também nua, que devia ter a metade de seu tamanho. E que, percebia-se em seguida, era a mesma que estava dentro da cabina envidraçada onde eram vendidas as entradas. E que, sabia-se posteriormente, era esposa do homem que recolhia os ingressos.
Eles faziam duas e às vezes três sessões diárias de sexo explícito. Fiquei imaginando se, no recesso do lar, eles repetiam os atos que desempenhavam no palco – só que obviamente sem plateia – ou se os intercursos públicos valiam como experiências de convivência marital. Ou se, em casa, de repente, faziam apenas um papai-e-mamãe comportado, como qualquer casal prosaico e burguês, mandando às favas as performances alucinadas a que se obrigavam no teatro.
Foi a primeira e única vez que entrei num lugar desses, movido menos pela curiosidade do que por interesse profissional: trabalhava na revista Agora na época e queria desenvolver uma pauta menos cabeluda do que o relato dos crimes escabrosos com que estávamos acostumados a preencher as páginas da publicação. A partir da dica de um colega, já havia ido a um bar da rua do Triunfo, reduto dos cineastas da Boca do Lixo, para descobrir, com atores de sexo explícito, se era verdade que o segredo da ereção duradoura era comer as cantáridas que viviam em tigelas de amendoim e se alimentavam da leguminosa.
Só consegui conversar com um deles, que desmentiu a informação do meu colega. Segundo esse ator, a eficácia de seu instrumento de trabalho devia-se apenas à concentração. Por isso, acredito que não haja casos de disfunção erétil entre os monges budistas ou outros anacoretas que baseiam sua doutrina na concentração.
O espetáculo ao vivo foi minha segunda tentativa de salvar a pauta. O teatro ficava na rua Aurora, do lado esquerdo de quem vai da praça Júlio Mesquita para a avenida
Vieira de Carvalho. Não sei se existe ainda – afinal, eram os anos oitenta. Não aguentei ficar mais do que quinze minutos ali dentro. Sexo (dos outros) é cansativo, ainda que a mocinha fosse uma graça. Fiquei no saguão de entrada esperando que a bilheteira e o porteiro reassumissem suas funções e fui conversar com eles. Propus uma entrevista para a Agora sobre o trabalho deles. O grandalhão até que foi simpático, solícito, delicado. Eu até ia conseguindo levá-lo na conversa, mas a baixinha explodiu:
– Você quer colocar nossa foto numa revista cheia de gente morta!?
Dei razão, e até desisti da pauta. A revista era de gente morta. Até poderia procurar outros teatros nas redondezas, para tentar entrevistar outros atores, mas a Boca do Lixo, embora não fosse mais a Boca do Lixo dos velhos tempos, provocava um mim um certo receio e eu não gostava de andar por lá. Melhor continuar com meus casos escabrosos.
Descobri tambem que esse mesmo homem, àquela época, usava seu pênis retesado para quebrar nozes no palco, alias, com muita precisão. Voltei lá 50 anos depois e lá estava o cara, de pênis aprumado, quebrando cocos. Curioso, me aproximei dele, após o espetáculo, dei a ele os mais sinceros parabéns pela performance, e perguntei porque ele mudara de nozes para coco. E ele, todo tristonho:
– É que a vista já não é mais a mesma.