Eu, escória do jornalismo

No início de minha carreira, no final dos anos 1970, após ter passado pela revisão do Grupo Folhas e pela Folha Metropolitana, de Guarulhos, retornei à Agência Folhas para trabalhar no plantão da madrugada, da 1 às 7 da manhã.
Nossas pautas vinham das ligações dos leitores, dos telefonemas que costumávamos fazer às delegacias, à central do Corpo de Bombeiros e das informações que colhíamos num rádio sintonizado com as ações das polícias civil e militar.
Cobríamos de tudo: incêndio, assaltos, embarque ou desembarque de algum político de expressão, naqueles tempos sombrios do regime militar, e da seleção brasileira de futebol, então uma verdadeira seleção de craques, e não esse punhado de caça-níquel que conhecemos hoje em dia.
Em geral, nossas raras saídas rendiam uma nota na Folha de S. Paulo e, de vez em quando uma matéria mais extensa nos demais jornais do Grupo: Folha da Tarde, Última Hora, Notícias Populares, Cidade de Santos e Gazeta Esportiva. Se a notícia realmente fosse de vulto ou o fato se prolongasse por mais dias, a Folha costumava mandar um repórter exclusivo para a chamada suíte.
Esqueci de dizer que, vez ou outra, recebíamos também algumas informações dos demais jornalistas que cobriam a área policial, por exemplo, da equipe do radialista Gil Gomes. Calhou de certo dia, um deles ligar e me informar sobre um crime ocorrido na cidade de Taubaté, no Vale do Paraíba. Durante os tradicionais trotes universitários, um grupo de alunos da escola espancou até a morte um dos calouros, morador de Queluz, também no Vale do Paraíba.
Como entre os agressores estaria o filho do então reitor da Universidade, a família da vítima não estava conseguindo um único advogado na cidade que se dispusesse a atuar na acusação. De posse dessas informações, ao final do plantão, redigi uma pequena matéria e passei para os jornais do Grupo, com todos os detalhes, inclusive o da omissão dos advogados queluzenses.
A notícia chegou no mesmo dia e caiu como uma bomba na região. É de se presumir que o ocorrido, por razões óbvias, vinha sendo mantido em sigilo. O jornal local, com todas as facilidades de que dispunha, em vez de apurar os fatos, assestou suas baterias contra este jornalista que vos escreve.
Fui acusado no editorial de não apurar os fatos com exatidão, mentiroso, mal-intencionado e, inclusive, de integrar o que denominou de “escória do jornalismo”. Felizmente, no mesmo dia, o repórter Koichiro Matsuo, que também fazia parte da nossa equipe, foi enviado a Taubaté e Queluz, e pode comprovar a veracidade do que eu escrevera.
E o mais curioso, conforme constatou, foi que, logo após a publica ção de minha matéria, os advogados de Queluz, praticamente, fizeram fila na porta da casa da vítima. Por essas e outras, confesso que me senti resgatado do fosso da “escória”.

Manoel Dorneles

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