Emoções disformes e pensamentos tortos

Os queridos e incontáveis leitores já se viram às voltas com pensamentos inconclusos, embora lógicos, fragmentados, com atos perfeitamente racionais, que poderiam simplesmente ter acontecido, mas não aconteceram? Como num sonho, só que não? Mesmo porque, você está acordado?

Rubem Fonseca descreve perfeitamente o mecanismo de um sonho em ‘Vastas emoções e pensamentos imperfeitos’, mas não é disso que estou falando. Não são sonhos esses pensamentos imperfeitos a que me refiro. Não são devaneios. São coisas banais que poderiam normalmente ter acontecido no seu dia a dia, como uma compra no supermercado, mas não aconteceram. Estiveram em sua cabeça, mas sem nenhuma concretude, embora correspondam a ações completamente banais e concretas.

Isso acontece comigo às vezes e acho que é uma falha, curta e recorrente, de irrigação cerebral. Meu dia a dia não foge à normalidade, mas esses pensamentos imperfeitos percorrem minhas lembranças como se tivessem acontecido – o antídoto imediato é que sei que não aconteceram realmente. E então minhas lembranças reais se misturam às memórias inconclusas e fragmentadas e eu vou levando a vida até que tudo volte ao normal. O efeito não ultrapassa algumas horas.

Já foi pior. Já saí de casa por um curto tempo sem saber exatamente o que estava fazendo – ou pensando – e voltei sozinho, porque o problema eram pensamentos imperfeitos, e não perda de memória. Era uma convivência meio conturbada entre a vida real e os devaneios provocados por essa falha da alimentação sanguínea do cérebro. Passei por uma série de exames e foram tão conclusivos quanto esses pensamentos imperfeitos: poderia ter sido um acidente isquêmico transitório, mas poderia não ter sido.

Fosse isso ou outra coisa qualquer, os efeitos já se repetiram dezenas de outras vezes – como agora, que estou escrevendo sob efeito dessa sensação – mas com menos intensidade. Ou seja, os pensamentos reais se misturam aos imperfeitos, eu sei exatamente o que é um e o que é outro, e algumas horas depois parece que nada aconteceu de anormal no meu dia.

Pode ser que as artérias que irrigam o cérebro estejam parcialmente obstruídas, mas, pelo visto, com total capacidade de se restabelecer. Até quando, não sei. Quando eu parar de escrever por aqui, comecem a se preocupar.

Marco Antonio Zanfra

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