A história que se segue é antiga, mas acho que nunca é demais repeti-la, em primeiro lugar porque vem aí a Semana Santa; segundo, porque se baseia em fatos reais (fonte fidedigna, aquelas coisas); terceiro, porque é saborosa demais. Evidentemente, por motivos que veremos mais à frente, conto o milagre, mas o nome do santo nem por decreto. Muito menos o nome da cidade onde o fato se deu. Só posso dizer que foi no sertão do Ceará.
Impressionado com o sucesso da representação da Paixão de Cristo em Brejo da Madre de Deus, em terras pernambucanas, o prefeito cearense decidiu reproduzi-la em seu município. Imagine, se der certo, em ano eleitoral, “tô reeleito, fácil”.
Atenderam ao edital, divulgado pela rádio local, dezenas de Marias Madalenas, Pôncios Pilatos, sumo-sacerdotes, apóstolos, soldados romanos e, claro, os candidatos ao papel de Jesus.
De cara, sobressaiu um deles, um “Jesus” de olhos azuis, que devia ser o sonho de consumo de 90% das mulheres do Ceará. Nunca se vira tanta “buniteza” por aquelas bandas; por onde o homem passava arrancava suspiros, desde as mais maduras até as mais “franguinhas”. Claro que foi o escolhido.
Selecionado o elenco, tiveram início os ensaios e o “Jesus” lá, como sempre, fazendo bonito. Evidentemente que ele, mais do que nunca um filho de Deus, aproveitava os intervalos para “conhecer”, no sentido bíblico da palavra, a mulherada da região. Pode-se dizer que não escapou nenhuma, nem mesmo… (e aqui vai o motivo de não revelarmos o nome da cidade) … a mulher do prefeito.
Tudo ia bem, mas como em cidade pequena as notícias correm, essa última extrapolou os muros da “Nova Jerusalém” cearense e chegou aos gabinetes da prefeitura.
Ao saber do fato, o principal interessado, que prometera ficar longe dos ensaios, preocupado apenas com o resultado final, chama o diretor da peça e apresenta-lhe um de seus guarda-costas, um brutamontes. “Home, dê a este cabra o papel de centurião romano, daqueles que não largam Jesus nem para ir ao banheiro.” Em particular, chama o segurança e lhe entrega um chicote extra-cenográfico com a recomendação: “Desça o reio nele, sem perdão!”.
Tudo pronto para o dia da estreia. A multidão excitada invade a cidade cenográfica, o clima é de Copa do Mundo. Jesus se aproxima de “Jerusalém”, montado num jegue, cercado pelos apóstolos e pela multidão de figurantes. Todos querem tocá-lo, principalmente, as mulheres.
Última Ceia, Horto das Oliveiras, a traição de Judas, a prisão. Pilatos entra em cena. Fica ali naquele “condena”, “não condena”; manda o acusado para o medroso Herodes, que o devolve como recebeu.
A mulher de Pilatos chama-o de canto e fala de seu sonho. O governador treme na base, pergunta a Jesus “o que é a verdade” e, nem espera pela resposta. Diante dos inúmeros pedidos pela condenação, lava as mãos e entrega o “Mestre” aos soldados romanos.
É a deixa para o “centurião” do prefeito. Ele encosta em Jesus, enfia-lhe uma coroa de espinho na cabeça e parte para o açoite. Desce o chicote sem dó nem piedade nas costas do infeliz, como seu chefe ordenara. Uma, duas vezes, três vezes… não teve tempo de dar a quarta.
Ao sentir na pele o que não estava no script, Jesus despe-se de sua mansidão cristã – aquela história de dar a outra face – e parte para o revide aos socos e pontapés. Demorou alguns segundos para que a plateia, que desconhecia os fatos anteriores, tomasse pé da situação.
E quando o fez, foi um delírio: “É isso aí, Jesus!”, “Aqui não é Pernambuco!”, “Não dá moleza!”, “Desce o braço nesses romanos, fi da muléstia!”