Assim na terra como no céu

Se o estimado leitor já teve a ousadia de comentar, perto de alguém, que tem um certo temor de entrar num avião e sentir-se tranquilo olhando a paisagem nas nuvens a doze mil pés de altura, certamente deve ter ouvido de volta – tão infalível como a piadinha do pavê – que uma viagem aérea é muito mais segura que uma terrestre.

Se considerarmos os números de mortos em acidentes nas estradas brasileiras e os que foram vitimados em quedas de avião, a afirmação está correta. Ou, pelo menos, empresta credibilidade. Mas a verdade não é absoluta e peca pela visão unilateral. Não é que a viagem aérea seja mais segura: pegar uma estrada brasileira é que é uma aventura, que nem sempre terá um final feliz!

A começar pelos números que compõem os dois tipos de transporte: segundo o Denatran, a frota nacional ultrapassava 106 milhões de veículos em julho de 2020 (mais da metade automóveis), enquanto a de aviões, no mundo, pouco passa de 26 mil, de acordo com a Aero Magazine. Isso significa, por baixo, que há 4.076 mais oportunidades de acidentes terrestres do que aéreos, usando-se a frota nacional de veículos como parâmetro.

Isso explica em parte o termo comparativo, mas não é o mais importante. O que conta na segurança dos voos é que, para botar na pista um Boeing 737, por exemplo, não basta ao piloto ir até o Detran, encarar uma provinha fuleira, mostrar que consegue fazer baliza e sair numa subida sem deixar o carro voltar, pegar sua carteira e assumir o comando do jato.

Ao contrário, para assumir o comando de um dos 106 milhões de veículos em circulação no território nacional, basta ir até o Detran, fazer uma provinha fuleira, mostrar que consegue fazer baliza e sair numa subida sem deixar o carro voltar, pegar sua carteira e assumir o volante. Se ao piloto do Boeing sobram preparação, atenção, controle, perícia e informações computadorizadas, aos portadores de CNH sobra apenas a presunção de que sabe dirigir, e que por isso pode abusar da velocidade, falar ao celular, ultrapassar na faixa contínua etc.

Resultado: se, em 2019, 257 pessoas morreram em acidentes aéreos no mundo inteiro (menos da metade de 2018), o número de mortos em acidentes terrestres no Brasil deve ser multiplicado por 118 – foram 30.371. É claro que nem se compara às 4.076 vezes mais possibilidades de acidentes que eu citei num parágrafo lá em cima, mas os números ainda assim são alarmantes.

E, claro, poderiam ser menos dramáticos. Para isso, bastariam duas circunstâncias básicas: que não fosse tão fácil sair do Detran com uma carteira de habilitação e que os motoristas habilitados assumissem o controle de seus veículos como se estivessem levando na ponta dos dedos um Boeing 737. Com atenção e concentração para tanto, quero dizer.   

Marco Antonio Zanfra

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