Amor ou conveniência?

Amor ou conveniência?

Tive algumas aulas de treinamento com meu labrador Fred há cerca de um ano –  tentando torná-lo mais sociável e menos medroso e arisco, para podermos passear pela rua sem transtornos – e o adestrador disse algo surpreendente, que desmontou tudo o que tinha ouvido ou lido até então:

“O cão não te ama, você é apenas conveniente para ele, e é isso que move suas demonstrações de afeto!”

Epa! E onde ficam aqueles papos de ‘amor incondicional’, de dar a vida para salvá-lo, de passar horas ao seu lado, com olhar de ternura, abanando o rabo a cada suspiro mais profundo que você exala? Conveniência?

Ele é apenas um funcionário puxa-saco que ri de todas as piadinhas idiotas do chefe? E aquele akita que ficou nove anos na estação de trem, esperando o falecido dono voltar? Não seria mais conveniente arranjar outro dono?

Decidi não aceitar bovinamente essa afirmação dele, e fui atrás de contrapontos.

Na opinião do médico veterinário Cleiton Rupolo: “Muitos pensam que os cães amam seus donos pela comida ou pelos agrados que recebem, mas essa relação vai muito além disso. Os animais sentem amor por seus donos pelo simples fato de ficarem próximos, juntos, unidos.”

(Isso não descarta a conveniência, mas acrescenta que não é só isso.)

No conto ‘Betsy’, de Rubem Fonseca: “O homem permaneceu com Betsy na cama durante toda a sua agonia, acariciando seu corpo, sentindo com tristeza a magreza de suas ancas. No último dia, Betsy, muito quieta, os olhos azuis abertos, fitou o homem com o mesmo olhar de sempre, que indicava o conforto e o prazer produzidos pela presença e pelos carinhos dele. Começou a tremer e ele a abraçou com mais força.”

Na definição de Freud: “Cães amam seus amigos e mordem seus inimigos, bem diferente das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar amor e ódio em suas relações.”

Nas palavras de Napoleão, no ‘Memorial de Santa Helena’, sobre um cão ao lado do cadáver de seu dono, no campo de batalha, gemendo e lambendo seu rosto: “Nunca nada, em nenhum dos meus campos de batalha, me impressionou tanto. Eu havia, sem emoção, ordenado batalhas, que deveriam decidir o futuro do exército; havia visto, com o olho seco, serem executados movimentos que levariam à perda de muitos entre nós; e aqui eu ficava emocionado, ficava perturbado pelos gritos e pela dor de um cão…”

Para o professor Gregory Berns, da Emory University: “A habilidade de experienciar emoções positivas, como amor e apego, significa que cachorros têm um nível de consciência comparável a uma criança humana. E essa habilidade sugere um questionamento à maneira como tratamos os cães.”

Resumindo: tudo que eu havia lido o ouvido antes tinha mais consistência do que a opinião do adestrador. Cujo nome, aliás, era Ariel – que, segundo a piada, não se sabe se é homem, mulher, sereia ou sabão em pó!

Marco Antonio Zanfra

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