Venho do século passado…

Quero falar de Carnaval, mas vou divagar um pouco.

Venho do século passado e trago em mim todas as idades”, poetizou minha avó em “Cora Coralina, quem é você” (de “Meu Livro de Cordel, Global Editora).

E continua: “Pertenço a uma geração ponte, entre a libertação dos escravos e o trabalhador livre, entre a monarquia caída e a república que se instalava.”

Diferente dela, minha geração ponte é entre a ditadura militar e a Democracia, tão duramente conquistada e quase perdida, nos quatro anos do inominável. Sou do grupo de trabalhadores que lutaram e conquistaram direitos, alguns já retirados, pouco a pouco, por políticos corruptos e dedicados a enriquecer eles mesmos e os empresários.

Voltemos ao Carnaval. 

Sou do tempo dos corsos de veículos, entrudo com sangue do diabo, lança-perfume, concursos de fantasias – lembro do Clóvis Bornay (uau!) -, bailes nos clubes, no Copacabana Palace e no Teatro Municipal, com marchinhas, cor e alegria. O Carnaval virou puro comércio.

Adolescente, ajudava a preparar primos, irmão e amigos, para desfilarem na rua, fantasiados de mulheres. De dia, ficava na avenida, em Batatais (SP), na frente da casa dos meus tios, com bisnagas cheias de sangue do diabo, jogando nos incautos que passavam com o vidro do carro aberto. À noite, ia ao baile, ou aos bailes, nos clubes da cidade: o 14 de Março, da “elite”, a Associação Recreativa Operária e a Sociedade 13 de Maio, que reunia os trabalhadores.

Meu tio era o motorista, o guardião, o “opressor”, que levava de um lado a outro as jovens moçoilas da família e suas amigas. Das festas, passeava na estrada e nos mostrava o sol nascendo. Espetáculo lindo, coroando uma noite em salões, cantando e dançando. 

Antes de ir para a cama, tomava Cibalena, para evitar que as pernas “acordassem” doloridas. Anos mais tarde, quando substitui o Interior pelo Litoral, o Engov passou a ser essencial…

Tempos depois, já trabalhando em jornal, não via a hora da chegada das fotos das festas nos clubes paulistanos, muitas proibidas para menores, dos concursos de fantasias e dos desfiles na avenida Tiradentes. Como copy (redatora), não era escalada para reportagem de rua. Queria muito, mas não tinha jeito!

As últimas vezes que senti de perto o Carnaval paulistano foi quando morava no bairro do Limão, em São Paulo. Tinha a Mocidade Alegre, praticamente, no quintal de casa; Unidos do Peruche, na vizinhança; Império de Casa Verde, a 200 metros; Rosas de Ouro, a uns 500 metros, e Camisa Verde e Branco, depois da Ponte do Limão. Impossível não viver cada ensaio delas e, no dia dos desfiles e da apuração, torcer muito pela preferida, no meu caso, a Mocidade, a Morada do Samba!

Em Palmas, no Tocantins, em 2006, fui ao Carnaval fora de época – fantástico -, acompanhando o trio do Chiclete com Banana. Pena que não tem mais. Em 2007, estava firme e forte no bloco Filhos da Pauta, até que roubaram a corrente de ouro do meu filho. Fiquei anos, ouvindo que isso não tinha acontecido com ele nem na praça da Sé, em São Paulo.

Depois, veio um prefeito colombiano, naturalizado brasileiro, que inventou um tal “Capital da Fé”, só para evangélicos, sem samba, axé e cerveja. Fim da festa! 

Este ano, até liberaram blocos e trouxeram artistas, mas a tal Capital da Fé continua. Uma chatice. Acabou a animação. Na cidade, nem parece Carnaval. A festa boa é no Distrito de Taquaruçu, a uns 30 quilômetros do centro. 

Sim. Ainda assisto os desfiles e os blocos. Tudo pela televisão. Queria muito estar nas ruas, pulando, dançando e cantando.

Talvez no próximo século…

Célia Bretas Tahan

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