Está decidido. Quando chegar aos oitenta anos – se chegar, claro! – vou ser o velhinho mais rabugento, mal-humorado e ranzinza que os pobres familiares e vizinhos vão ter de encarar. Em contrapartida, não vou depender de ninguém: trocarei minhas próprias fraldas geriátricas, se necessário; lavarei minhas próprias roupas; cozinharei minhas próprias batatas, cenouras e inhames para fazer papinha; terei um sistema infalível para tomar meus enalapril, nebivolol e hidroclorotiazida sem falhar.
Ou seja: não vou ser uma pessoa de convívio deleitoso, mas, em compensação, não vou dar trabalho. As pessoas podem se queixar de que sou uma pessoa insuportável, mas ninguém vai poder dizer que, além de me aguentar, terão de cuidar de mim. Eu mesmo vou me cuidar. Vou ser autossuficiente e encarar todas as minhas fraquezas e necessidades por mim mesmo. Não seria pedir demais que, além de tudo, eu fosse uma pessoa agradável, né?
Pois só aguentando as agruras de cuidar de um idoso totalmente dependente é que a gente encontra forças para tomar decisões como esta minha. Só sentindo na pele o que é cuidar de alguém que demanda mais atenção do que uma criança é que se tem disposição para dar um grito de independência: não vou ser essa figura amorfa que a cada dia exige mais cuidado do que o dia anterior e que não consegue fazer um xixi no lugar certo sem uma orientação repetida a cada duas horas. Até as crianças e os gatos aprendem.
Eu não vou ser assim! Posso até fazer as coisas erradas, mas será por minha conta. Não quero ninguém me dizendo a que horas dormir, se minhas fraldas estão cheias, se preciso lavar pelo menos os pés antes de ir para a cama. Não quero ninguém cuidando de mim, pois eu próprio vou querer cuidar de mim. E por isso vou ser ranzinza. As pessoas vão passar por mim e dizer “ô, velho ranzinza!” e vão me deixar em paz. O que eu mais vou querer é paz.
É claro que vai chegar uma hora e eu não terei mais capacidade de fazer nada, a não ser manter minha ranzinzice. E então vou ter de apelar para alguns cuidados básicos, como lavar minhas roupas, trocar minhas fraldas, cozinhar minhas cenouras, batatas e inhames… Mas aí vou apelar a cuidados profissionais. Já estou guardando dinheiro para isso. De preferência vou atender ao suprassumo dos desejos masculinos e contratar uma enfermeira gostosa, ainda que só possa babar e lamber o travesseiro por ela. O que eu não quero é parente cuidando de mim, mesmo que de graça.
Pois estou aqui registrando minhas decisões para que tudo fique preto no branco. Porque provavelmente vou me esquecer daqui a alguns anos a forma como pretendo seguir minha vida, e só sobre mesmo a rabuja.