Não tenho o nome dele aqui e, também, se tivesse não entregaria. Lembro vagamente tratar-se de um bem-sucedido atacadista do ramo papeleiro radicado em Santa Catarina. Já ouvimos muitas vezes a frase de que “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”. Da mesma forma pode-se dizer que, dificilmente, uma pessoa será alvejada duas vezes no mesmo dia por cocô de pombo. A menos que ela esteja numa viagem por Istambul, uma das cidades mais fascinantes da Europa ou Ásia. Ou seria Eurásia?
A Turquia, como é sabido, finca os pés nos dois continentes, dividida ao meio pelo Estreito de Bósforo, que serve também como um canal de navegação até o Mar Negro. Tive a oportunidade de passar por lá em 2011, junto com um grupo de empresários do setor de papelaria e de produtos para escritório. Patrocinada pela Bic, a viagem incluía três ou quatro dias em Istambul e mais uns três na enigmática região da Capadócia.
Na esquina do mundo, como dizem alguns, a metrópole turca, antiga Constantinopla, construída sob o reinado de Constantino, consegue aliar história – e bota história nisso – e modernidade. Caminha-se por suas largas avenidas, de um lado, onde circulam modernos VLTs, enquanto do outro, avistam-se ruinas de antigos aquedutos e muralhas construídos ainda no tempo dos romanos.
Tudo muito bonito, mas não vamos fugir do assunto principal desta crônica: as cagadas de pombos. Éramos um grupo de umas 30 pessoas, hospedado às margens do Bósforo, em um hotel daqueles que, para entrar, você precisa passar suas malas no Raio-X. Pode parecer exagero, mas todo cuidado é pouco num país, onde qualquer rastilho de pólvora, cuja procedência não se sabe, pode provocar uma explosão de proporções imensuráveis.
Como ia dizendo, saíamos do hotel logo cedo para visitar os principais pontos turísticos de Istambul: o Gran Bazaar, Palácio Topkapi, Catedral de Santa Sofia e tantos outros. O curioso é que a igreja, que era cristã, foi transformada em mesquita, depois museu (por ocasião de nossa estada lá) e agora, por obra e graça do ditador Edorgan, mesquita de novo.
O entorno da catedral não chega a ser uma Piazza de San Marco (Veneza), mas também está infestado de pombos, os famosos “ratos com asa”. Enquanto esperávamos no pátio para entrar no monumento religioso, eis que uma dessas abençoadas avezinhas do céu “amira” (como se diz na roça) a cabeça de um de nossos companheiros de viagem e acerta bem no alvo.
Foi uma festa, menos para o premiado, claro. De nada adiantou dizer que ele era um predestinado, que isso dá sorte, que ele poderia jogar no bicho, se lá houvesse tal modalidade, e por aí vai. Os mais afoitos até passaram a mão no blazer dele, pois quem sabe assim não atrairiam para si os tais sortilégios. A cena rendeu até a hora do almoço, num simpático restaurante grego, pouco mais afastado do centro.
Voltamos para o hotel e, após uma breve sesta, saímos para o segundo passeio do dia, uma visita ao Gran Bazaar. São centenas de lojinhas, que vendem desde tapeçarias finas até joias em ouro. Antes de nos enveredarmos pelos corredores e vielas do local, ouvíamos do lado de fora as instruções dos guias locais, quando os pombos voltaram ao ataque. E pasmem: pela segunda vez no dia, acertaram o mesmo sujeito.
Evidentemente, as piadas evoluíram, além de teses, as mais mirabolantes possíveis. Seria o autor da proeza um pombo-correio, treinado por algum distribuidor local concorrente? Alguma mensagem celeste? Alguma coisa a ver com a cabala?
Na dúvida, enquanto a vítima se lavava num banheiro público, passamos a olhar com mais cuidado para os céus da metrópole turca. Se fossem só os pombos tudo bem, mas nunca se sabe o que mais poderia vir lá de cima numa região tão visada e conturbada, e com uma vizinhança doida por uma encrenca…
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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Pelo que você deixou implícito, ainda bem que foram apenas cagadas de pombo (quem sabe o mesmo!).