Acho que nunca vi uma legislatura tão empenhada em mudar pormenores da Constituição quanto a atual. Por qualquer detalhezinho, suas excelências metem lá uma PEC e modificam o texto que os constituintes de 1988 levaram dezoito meses para refinar. Chegaram até, veja só, a criar um estado de emergência virtual – a emergência socioeconômica real é crônica no Brasil desde o descobrimento – para driblar a lei eleitoral e permitir que um candidato usasse e abusasse das verbas públicas para não ser derrotado tão fragorosamente!
Pois bem. Já que estão tão ávidos por mudanças, que tal acabar com parte do artigo 155 da Constituição Federal, que torna o Estado uma espécie de beneficiário dos bens das pessoas que morrem. Ou herdeiro de bens e direitos dos mortos, sem que parentes destinatários reais da partilha tenham como discutir o quinhão que lhe cabe.
Explicando: o artigo 155 é o que institui o chamado ITCMD, ou Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações, que é a taxação feita sobre os bens legados (por inventário) ou doados aos sucessores dos falecidos. Essa taxação pode variar entre 1% e 8% do valor venal de um imóvel, por exemplo, e é definida e recolhida pelos Estados e pelo Distrito Federal.
Em São Paulo, o ITCMD é de 4% e em cima disso podemos criar uma situação fictícia – nem um pouco fora da realidade, no entanto – com a intenção de dramatizar a garfada:
1 – Você tem finalmente um dinheirinho sobrando e compra uma casinha modesta na periferia da cidade e paga R$ 30 mil nela;
2 – Durante vinte e cinco anos, você investe na casa, reforma, amplia, melhora a estrutura, instala uma pequena piscina, constrói um pequeno galpão com churrasqueira e mesa de bilhar, esparrama um gramado para a meninada jogar vôlei… Ao cabo desses vinte e cinco incansáveis anos, a casinha está valendo, digamos, R$ 1 milhão.
3 – Nesses vinte e cinco anos, no que o Estado (como um todo) contribuiu para seu investimento na casa? Em resumo: cobrou ICMS sobre cada tijolo ou saco de cimento empregado na reforma e ampliação; cobrou contribuição previdenciária dos operários das obras; cobrou IPTU progressivo a cada ampliação da moradia; cobrou ISS abusivo sobre o metro quadrado das ampliações; cobrou ICMS sobre os equipamentos advindos com as melhorias etc. etc. etc.
4 – Você morre – sim, é triste, mas é inevitável que isso aconteça – e o Estado, que passou a vida te extorquindo, vai extorquir agora as pessoas que vão herdar sua casa, a casa de que ele cobrou por cada passo de sua parte em direção à melhora. Acredite: R$ 40 mil do milhão que passou a valer sua casa vão ficar para o Estado, assim sem mais. Isso em São Paulo, porque em Santa Catarina o Estado ficaria com R$ 60 mil. E o valor da casa é avaliado pelo Estado, que é quem vai ficar com o butim. Nada impede que avalie com exagero, já que entrará como acusador e julgador. Mais ou menos como Sérgio Moro na Lava-Jato.
Só fiquei sabendo disso agora, depois que a esposa foi pedir a expedição da certidão de óbito da mãe dela e foi informada de que teria sessenta dias para iniciar o processo de inventário, sob pena de multa. Fiquei indignado. Acho todo processo arrecadatório injusto – porque sempre quem tem menos paga proporcionalmente mais – mas esse é ainda pior. É um esbulho.
Fica a sugestão para suas excelências e sua sanha por mudar a Constituição. Se bem que, pelas PEC que vi até agora, não creio que a intenção deles seja realmente melhorar a Carta Magna.
Salvo engano, o prazo pra abrir inventário em SP é de 30 dias… Mas dá mesmo raiva extorquir os falecidos. Sem falar nos famosos, que deixam herdeiros ávidos de faturar em cima do extinto