Sabedoria popular

Trago a recomendação na memória, como se a tivesse ouvido outro dia, e não há quase sessenta anos:

Se alguma coisa que você for comer ou estiver comendo cair no chão, você tem cinco segundos para recuperar o alimento, caso contrário ele vai ficar cheio de micróbios.

A recomendação acrescentava que, depois de pegar do solo, convinha dar uma assoprada forte no produto, para eliminar alguns vestígios de poeira contaminada. A recomendação não valia, entretanto, se a face do objeto em contato com o chão fosse margarina, doce de leite, geleia ou outra cobertura aderente.

Pois bem. Sempre segui a orientação quando era criança, mas só agora me dei conta: por que os cinco segundos, exatamente? Os micróbios eram lentos para agir, ou havia alguma espécie de acordo tácito entre eles e os seres humanos, pelo qual ficava estabelecido que, se não recuperássemos o objeto caído dentro do prazo, eles teriam a posse legal dele, como num usucapião de efeitos rápidos?

Não me lembro se sempre respeitei essa ‘janela de imunidade’ oferecida pelos seres microscópicos, mas comi e como até hoje o que cai no chão – respeitadas as ressalvas feitas ali em cima – e por enquanto não fui acometido de nenhuma doença grave em razão disso. Procure na internet e você vai ser que esse negócio dos cinco segundos é besteira e que germes e bactérias tomam conta do alimento assim que ele toca o solo, e podem provocar desde uma simples diarreia até a morte.

Acredito na ciência ou na sabedoria popular, que até agora não me decepcionou?

A gente passa a infância cercado de crendices, de benzedeiras, não tem acesso à ciência, e vai ao posto de saúde apenas para tomar as vacinas obrigatórias. Ou seja, acaba tendo apenas a sabedoria dos vizinhos ignorantes como referência. Quantas vezes não vi alguém furar o pé num prego enferrujado e tratar o ferimento com a água onde foi fervido o próprio prego enferrujado – numa clara tentativa, havemos de reconhecer, de emular a ciência vacinal e tratar um mal a partir de seu agente causador enfraquecido pela fervura.

Não posso afirmar que hoje a sabedoria popular garantiria a saúde das crianças. Os tempos são outros, os organismos são outros, e até os vírus e bactérias comportam-se de maneira diferente e são mais resistentes. Não seria a fervura de um prego a garantir um potente antitetânico, como antigamente. Como eu disse, os tempos são outros.

Mas nos meados do século passado, que foi quando nasci, um galhinho de arruda fazia milagres!

Marco Antonio Zanfra

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