Rir é o melhor remédio?

Se eu tinha dúvidas em relação à ortodoxia do velho ditado, a morte de Paulo Gustavo acabou por confirmar meus temores: rir pode ser o melhor remédio, mas não nos oferece a isenção total, a capacidade de nos tornar imunes ao mal definitivo. Com riso ou sem riso, todos nós nos vamos, mais cedo ou mais tarde.

Mais tarde, no caso, por exemplo, de Dercy Gonçalves, que passou dos cem: certamente, a tese de que o escracho nos torna menos permeáveis aos estresses e às amofinações contribuiu para essa longevidade. É quase regra que os sorumbáticos se vão antes, talvez porque o amargor ocupe mais espaço nesse nosso universo beirando à superpopulação, e a reciclagem seja possivelmente uma forma de readequação: onde cabia um macambúzio, cabem pelo menos dois espíritos jubilosos, e aí nós vamos remodelando os quartos, colocando um beliche aqui e outro acolá, de modo a que caiba todo mundo.

Falo por mim: conforme os anos vão chegando e passando, nossas relações com a morte passam de negligentes a cordiais e de cordiais a respeitosas. De super-heróis invencíveis, transformamo-nos primeiro em seres humanos vulneráveis e depois em organismos frágeis e suscetíveis mais facilmente à fatalidade. Nessa transição é que a gente começa a considerar com mais respeito todos os unguentos, as beberagens e os velhos ditados que possam deixar mais longe o inevitável.

No caso deste ditado em particular, porém: se rir era o melhor remédio, como explicar que alguns comediantes, palhaços e bufões que ajudaram a desopilar nosso fígado não estão mais entre nós, para apagar as luzes e fechar as portas do mundo, conforme esperávamos deles? Com quem ficaram as chaves e a incumbência se Zezé Macedo, Rogério Cardoso, Ronald Golias, Consuelo Leandro, Zilda Cardoso, Costinha, Nair Belo, Dercy, Chico Anysio, Paulo Silvino, Agildo Ribeiro, José Vasconcelos, Mussum, Zilda Cardoso, Zacharias e tantos outros que nos fizeram rir nos últimos 50 anos se foram antes que nos déssemos conta de que os palhaços também morrem e nos deixam mais tristes?

Pois é, funciona como eu disse no começo: a gente até pode passar dos cem, como a Dercy – rindo e fazendo rir – mas um dia o mecanismo falha. Até equipamentos eletrônicos sofrem de fadiga e pifam. É indefectível. Mas, se o riso não nos concede a imortalidade, pode pelo menos fazer com que nossa efemeridade seja menos efêmera e mais imortal. Se não para nós mesmos, pelo menos para aqueles a quem fazemos rir, franca e abertamente. Que o digam os órfãos de Paulo Gustavo!

Marco Antonio Zanfra

2 comentários

  1. Chega um belo dia de qualquer semana
    Alguém bate na porta, é um telegrama
    Ela está chamando, é um telegrama
    Ela está chamando
    Pra uns ela vem cedo, pra outros vem tarde
    É que cedo ou tarde, ela vem de repente
    Chega pro covarde, chega pro valente
    Só tem que ninguém gosta de ir na frente

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