O título da matéria deveria ter sido “Aposentadoria agora só para quem tem mais de 60”, alguma coisa assim. Escrevi “Aposentaria agora só para…”, li e reli umas dez vezes e mandei para a gráfica. Meu cérebro estava condicionado ao que eu imaginava que tinha escrito e, justo no dia em que a nossa revisora faltou, o erro passou. Ao constatar a falha, já com a revista na mão, descobri que não sou autossuficiente e enalteci mais uma vez o papel do revisor em nossa profissão. Em meus 45 anos de jornalismo (graduei-me em 1976), trabalhei como repórter, copidesque, chefe de reportagem, editor, assessor de comunicação e lá, bem no comecinho, revisor.
De todas essas funções, posso dizer que a revisão foi uma das mais marcaram e agregaram em minha carreira. Consegui, por meio dela, assimilar alguns conhecimentos de que me vali em toda minha trajetória. Mais adiante darei alguns exemplos deles. Por sinal, aposentado aqui em Santos (SP), rodeado de universidades, ainda tenciono fazer alguns trabalhos de revisão de teses, TCCs, pesquisas e trabalhos escolares. De verdade, comecei na revisão muito cedo, tinha talvez 13, 14 anos, ainda no ginasial.
Interno no seminário menor dos padres paulinos – já lhes contei que minha mãe queria que eu fosse padre de todo jeito –, “trabalhávamos” na gráfica das Edições Paulinas quatro horas por dia. Era a forma encontrada para complementar o valor da mensalidade, pois muitos pais não tinham como arcar com os custos dos estudos e de nossa estada lá. Meu trabalho consistia na preparação das resmas para as impressoras, operar as dobradeiras dos cadernos e, eventualmente, revisar bíblias, livros, revistas e a coleção “Conhecer”. O bom é que nos intervalos, líamos tudo o que encontrávamos pela frente.
Mais tarde, no último ano de faculdade, consegui um estágio na revisão do jornal O São Paulo, da Cúria Metropolitana. A gráfica ficava ali na rua dos Italianos, Bom Retiro, pertinho da Estação da Luz. Como eles não tinham ainda aderido ao offset, a composição era feita nos linotipos e a montagem das páginas no bom e velho Past up. O melhor de tudo eram as histórias contadas pelos gráficos, a maioria deles com mais de 50, 60 anos, até 70 anos, sobre as perseguições durante a ditadura Vargas, e algumas mais recentes, não muito agradáveis, naqueles anos pós-64.
Uma vez graduado, abandonei um bom cargo e um excelente salário na Telesp para encarar a revisão da Folha de S. Paulo. A remuneração não era nenhuma maravilha, mas era minha área. E também experimentávamos um sentimento de importância, quando revisávamos textos de um Claúdio Abramo, Paulo Francis ou Samuel Wainer, entre outros. Após quase um ano nesse trabalho, enveredei pela reportagem, mais tarde, chefia de redação, edição, assessoria de imprensa. Modestamente, como chefe de redação e editor, tive o prazer e o privilégio de orientar alguns repórteres, que se tornaram craques em suas respectivas áreas de atuação.
No trabalho de assessor, sempre tive a preocupação em não repetir nos releases enviados às redações os mesmos erros que cansei de receber como editor. Erros, muitas vezes compreensíveis, mas facilmente evitáveis, tais como confundir onde (localização) com aonde (sentido de direção). “Na fazenda do piloto onde (e não aonde) aquele ex-presidente escondia as joias ganhas do governo da Arábia Saudita.” Ou então, a sutil diferença entre o “tem que” facultativo (você tem que se vestir melhor) e o “tem de” impositivo (você tem de fugir do morro, senão você morre).
Aliás, quantas vezes não vi o “onde” ser usado no lugar do “que” ou “quando”. Por exemplo, “tudo se deu na Semana Santa, ‘onde’ eu fiz votos de não comer carne” ou “sabe aquela sensação, ‘onde’ você descobre que cometeu um equívoco?”. Outras confusões frequentes ocorrem com os pronomes demonstrativos, principalmente “esta” e “essa”. “Esta semana vou viajar até o Rio” e não “Essa semana…” “Está vendo esta caneta aqui na minha mão?” e não “essa caneta”.
Encontrei muitos desses erros nos releases que chegavam à minha mesa, e o pior, muitas vezes, os textos soavam totalmente incompreensíveis. Claro que você não aproveita nem a dez por cento do material que recebe, mas houve situações em que fui obrigado a ligar para a assessoria para que “traduzissem” o que o redator queria transmitir.
Por essas e outras, quando terminei meu mestrado em 2009, tinha intenção de dar aulas. Aulas de jornalismo comparado ou redação, mas não levei meu projeto adiante por dois motivos. O primeiro deles foi a doença de minha primeira mulher, que me fez perder completamente o foco. Maltratada pelo câncer, ela se foi depois de três anos de luta. O segundo foi a constatação de que teria muito pouco material humano para trabalhar. Grande parte de nossos estudantes hoje em dia sai do segundo grau sem o básico do português. Nem digo quanto à grafia correta dos nomes ou dos verbos, mas às noções mínimas de concordância. Sem nenhuma presunção, d á para se dizer que no nosso tempo era muito melhor, mesmo no colégio dos padres onde estudei. E onde ensaiei os primeiros passos em minha profissão.
PS.: Espero que não haja erros, mas se houver… sinto muito. Como disse acima não sou autossuficiente. E viva os revisores!
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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Belo texto!