Redes sociais do Além

Recebi a seguinte mensagem do Instagram na manhã de hoje:

“Carles Marti, um dos seus contatos, está no Instagram como @carlesmartihernandez. Gostaria de segui-lo?”

Até gostaria, eu poderia dizer… se ele não tivesse morrido há três anos.

O problema é que, apesar de alguns sinais claros, as redes sociais não sabem que ele morreu. A última postagem dele no Insta foi em setembro de 2018, pouco mais de um mês antes de sua morte. Mas isso não faz diferença. As redes sociais não estranham isso. Alguém fica tanto tempo inativo e todo mundo acha normal. E ainda saem convidando você para ser amigo de um morto.

Não penso que a gente deva apresentar ‘prova de vida’ para continuar usufruindo de Facebook, Twitter, Instagram etc. – como os aposentados do INSS, para continuar recebendo o benefício (que eu não chamo de ‘benefício’, e sim de ‘restituição’) – mas os algoritmos deveriam prever isso. O sapientíssimo Bolsonaro já avisou que todo mundo morre um dia. Então, é uma circunstância previsível e, portanto, contornável.

Basta estabelecer algumas exigências: se a pessoa não mantém uma certa e predeterminada assiduidade na rede, recebe um aviso; se não responder, a conta pode ser suspensa e, persistindo a ausência, simplesmente eliminada. Muitos mortos vão morrer para as redes, e às vezes alguns vivos também.

Mas isso evitaria, por exemplo, que você tivesse de mandar alertas constrangidos e constrangedores a várias pessoas que, no dia do aniversário de nosso colega Vicente Dianezi, estavam desejando muitos anos de vida a ele, que tinha morrido seis meses antes. Como as pessoas vão saber que a pessoa nos deixou?

Algumas famílias conseguem administrar isso. Cancelam a conta alguns dias após a morte. Às vezes, utilizam as próprias redes sociais dos falecidos para convidar para o velório. Mas isso não é comum. O mais comum é não mexer em nada. Alguns até mantêm os mortos entre os seus contatos, como eu. Para as redes sociais, então, os mortos vão estar vivos até que os algoritmos recebam um comando claro e objetivo para eliminar os seus perfis. Caso contrário, vamos continuar recebendo esses convites do Além.

(Carles Marti – em foto de julho de 2016, na ilustração deste texto – foi um amigo na minha pré-adolescência, colega de escola. Era 16 dias mais novo que eu. Nascido em Valência, na Espanha, veio para o Brasil com três anos de idade. Era publicitário e doutor em jornalismo. Gênio da raça, tinha voltado a morar em Valência. Morreu em outubro de 2018, vitimado por um infarto que demorou ainda um mês para interromper de vez as batidas de seu coração). A foto de Carles Marti está em seu Instagran.

Marco Antonio Zanfra

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