Preto é uma cor como qualquer outra no universo das tintas. É como o vermelho, o amarelo, o azul… Também pode ser definida, pela física, como ausência de luz. E, como ausência de luz, remete à escuridão, algo tenebroso mesmo para quem não tem medo de nada! Escuridão é o desconhecido, é não ver um palmo à frente do nariz, é não saber o que o espera nos próximos dez segundos. Para mim, o preto – ou o negro, a ele relacionado – tem a ver apenas com esse aspecto de ‘feito às escuras’.
Mas, de uns tempos para cá – e ninguém precisa concordar comigo – todas as expressões que usam a cor ou a ausência de luz passaram a ser consideradas racistas ou referenciais aos negros (sem trocadilho) tempos da escravidão. ‘A coisa tá preta’, para mim, remete à escuridão da ausência de vislumbres, e apenas a isso. ‘Mercado negro’, da mesma forma, refere-se apenas a coisas feitas no escuro, distante da luz da lei. Quem associa a outros sentidos não tem o que fazer – e, repito, ninguém tem de concordar comigo.
Por que a ‘ovelha negra’, que é a única diferente de todas as outras, branquinhas, teria qualquer referência à raça negra? Da mesma forma, a ‘magia negra’, relacionada à escuridão das profundezas? E ‘denegrir’, do latim denigrare, que significa tornar escuro, manchar? Será que o latim criou um verbo apenas para reduzir o valor da população negra?
E as palavras ou expressões que remetem aos tempos da escravidão, como ‘criado-mudo’, ‘feito nas coxas’, ‘meia tigela’, ‘a dar com pau’ e ‘tem caroço nesse angu’? Deixar de usá-las vai devolver a dignidade aos escravizados? Com algumas eu até concordo: como ‘dia de branco’, ‘serviço de preto’ e ‘preto de alma branca’. Mas ‘doméstica’, que os chatinhos insistem em associar a ‘negros domesticados’, consta até na legislação – vide a lei complementar número 150, de 2015.
Não consigo chamar o criado-mudo – onde alguns deixam o celular, e outros, o copo com a dentadura – por outro nome. O feito nas coxas para mim vai ser sempre alguma coisa malfeita, não porque os escravizados moldavam telhas imperfeitas nas pernas. No dia em que eu reconhecer que essas picuinhas linguísticas têm sentido, podem crer que estarei usando ‘todes’ em meus textos!