Perdidos no mar

Um pedacinho de terra/Perdido no mar/Num pedacinho de terra/Beleza sem par/Jamais a natureza/Reuniu tanta beleza/Jamais algum poeta/Teve tanto pra cantar

Hino oficial de Florianópolis desde 1968, o Rancho do Amor à Ilha é uma deliciosa marcha-rancho, que remete à cidade ainda provinciana, dengosa, com cadeiras na calçada e as conversas na praça central antes da missa.

Quando conheci Florianópolis, em 1988, fiquei encantado com as placas verde-azeitona que margeavam a subida da rodovia SC-404, rumo à lagoa da Conceição, cada uma delas contendo um verso da música. Havia uma espécie de rancho de amor ao Rancho de Amor à Ilha.

Aliás, um rancho de amor que sobrevive até hoje.

Mas uma ressalva: que Deus nos livre de estarmos perdidos no mar!!!

Não somos náufragos, ou uma versão ‘manezinha’ de Lost!

Ao que consta, nem uma borrasca nos tiraria do lugar onde estamos há séculos. Ainda que fosse uma hecatombe, temos três pontes a nos ancorar ao continente: a Pedro Ivo Campos, a Colombo Machado Salles e a quase centenária e recentemente reformada e reinaugurada Hercílio Luz, aquela do cartão postal.

Mas e se acontecer? Já pensou acordar e ver que a ilha está à deriva? Pedaços de suas três pontes que sobraram do arrastão apontando para o mar sem fim? Como chegariam até nós as centenas de gaúchos, paulistas e outros que, como eu, elegerem a ilha para morar? Vão tomar um barco? Em que direção?

Perdidos no mar a gente não poderia ficar para sempre, como um navio fantasma! Teríamos de ancorar em algum lugar e, assim, restabelecermos as rotas de abastecimento. A ilha não é autossuficiente em nenhum aspecto: mais da metade do fornecimento de água vem do rio Cubatão, que nasce e vive no continente; não há geração própria de energia; a produção hortifrutigranjeira é tímida; pecuária praticamente inexiste – basicamente, é composta pelos animais que são aterrorizados na Farra do Boi.

O que tem bastante por aqui é peixe e funcionário público. Até aceito viver à base de peixe e outros frutos do mar – afinal, estaremos perdidos no mar – mas acredito que a carne de funcionário público deve ser meio dura e sem sabor.

Uma curiosidade: o Rancho… é o hino oficial da cidade, mas Florianópolis não é só a ilha; parte da cidade – os bairros Estreito, Coqueiros, Abraão, Jardim Atlântico e Capoeiras, entre outros – estão no continente. O hino não os representa, pois, já que o amor é apenas à ilha. E o interessante é que Cláudio Alvim Barbosa, o Poeta Zininho, autor do hino, passou a maior parte de sua vida, desde a adolescência, no bairro Abraão. Seria, então, um filho ingrato? 

Marco Antonio Zanfra

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