Acho que a piadinha besta mais conhecida e mais reproduzida nos almoços em família, festas ou comemorações diversas, e ao mesmo tempo a mais execrada, é essa da sobremesa feita com a sobreposição de bolachas e camadas de creme. Parece ser irresistível soltar um “é pavê ou pacomê?” – ainda que a voz saia às vezes envergonhadamente baixa – sempre que a dona da casa anuncia o que vai ser servido depois da refeição.
Virou folclore. Pode notar que o ambiente fica estranho quando se anuncia o pavê como sobremesa e ninguém se aventura a soltar a piadinha. O silêncio é tão desconcertante que até dá vontade, nós mesmos, de fazer as vezes do piadista e nos arriscarmos a receber uma estrondosa vaia dos circunstantes. Parece que um pavê sem a piadinha não vai ter o mesmo sabor.
Tanto virou assunto folclórico que até ganhou crônica na Veja São Paulo. “O tio do pavê”, nome da crônica, batiza também o livro da editora Giostri em que o jornalista e dramaturgo Mário Viana reúne os textos que escrevia na Vejinha. Na crônica, o autor personifica o porta-voz da piadinha:
“Ele faz parte do imaginário popular em qualquer festa de família. No fim do ano, é presença mais que garantida, espremido entre a árvore iluminada, os restos do peru devorado com farofa e algum enfeite do tipo Rudolf, a rena do nariz vermelho. O fim da ceia e a entrada da sobremesa é o seu grande momento, o seu discurso de agradecimento pelo Oscar recebido. O tio do pavê ataca sem dó nem piedade, sacudindo como um porta-bandeira a mais infame das piadas. O pavê não chega à mesa impunemente.”
Mário Viana acha que o tio do pavê é de carne e osso, mas alheio a nós, uma terceira pessoa. É alguém de nossas relações familiares ou de amizade, mas é uma pessoa específica, em meio às demais. Eu não concordo com essa terceirização, porém. Penso no tal do tio do pavê como um alterego nosso. Afinal, quem nunca? Quem de nós nunca encarnou o tal tio e soltou a piada fatídica, com sorte – ou azar – um pouco antes dos outros? Aliás, acho que as pessoas protestam quando alguém conta a piada porque elas próprias perderam a chance de contar primeiro…
Mas tenho também outra teoria: a piadinha do pavê é recebida com desagrado porque não admite variações. Você pode contar piadas velhas mudando datas, nomes, situações ou personagens, alterando até suas nacionalidades, e as pessoas riem como se a anedota fosse nova. Com a do pavê, não há o que mudar. É aquilo lá e fim de papo. É pavê ou pacomê, e ponto. Pá, pum! Não dá para variar.
Pois foi pensando nisso, nessa mesmice que acabou com a vida útil da piada, que eu resolvi fazer uma experiência. Pensei em mudar seu enfoque num churrasquinho familiar, para medir os efeitos da nova versão. Foi assim: quando minha filha mais velha trouxe a tigela com o doce, perguntei, simplesmente, “é pavê?” Todas as cabeças se voltaram para mim, com estrépito, como se eu – ora, pois! – fosse notório portador de infâmias! Mas eu permaneci impassível. Até alguns segundos depois, quando completei: “Mas a gente pode comer, não pode?” Foi o que bastou para que eu fosse atropelado pelo fragor popular! Um a zero contra minha teoria…
Mas não desisti. Pouco mais tarde, quando a mesma filha avisou que iria guardar o que restara da sobremesa, eu disse que, como era pavê, ela tinha de arrumar um lugar de destaque na geladeira, logicamente para que todos vissem a tigela ali dentro… Pronto! Foi o que bastou para tomar outra vaia e registrar o segundo gol contra no experimento.
Desistimos? Ora, Marie Curie descobriu o rádio na primeira tentativa? Einstein elaborou a teoria da relatividade num fim de semana? Persistência é o nome do meio dos cientistas, e pode ser o segredo do sucesso. Por isso, não abandonei os tubos de ensaio e insisti na experiência: uma semana depois, quando minha filha reclamou que o doce permanecia intocado na geladeira eu ponderei: “Também, você não avisou que era ‘pacomê’…”
Escapei das vaias porque estávamos só nós dois, mas o riso amarelo dela mostrou que, se a piadinha do pavê ainda pode ser salva, não será por conta de meu talento criativo!