Outro bebê pelos cantos da casa

Há quase quatorze anos, precisamente em 13 de julho de 2009, publiquei em meu antigo blog ‘Fala, Zanfra!’ o texto de boas-vindas a Lancelot, o ‘bebê’ do título. Dizia a crônica:

Tinha esquecido de como fica carregado de expectativa e urgência o clima de uma casa com a chegada do bebê. Principalmente se o ‘bebê’ é um filhote de labrador com pouco mais de dois meses de vida, olhos cinzentos, cor de cobertura de suspiro levemente gratinada e capacidade de morder quatro ou cinco objetos ao mesmo tempo, entre eles quase sempre incluído um pé humano.

Pois agora, quase quatorze anos mais velho, repito a experiência com outro labrador, Fred, três meses de vida e quase o mesmo grau de hiperatividade de seu antecessor. Digo ‘quase’ porque Fred parece ser mais equilibrado e, ao contrário de Lancelot, costuma exercer algumas vezes o sagrado direito, dele e nosso, de descanso. Mas o que isso refresca?

Como eu disse, quase quatorze anos mais velho e com absoluta obsolescência do know-how anterior – não havia uma ferinha dessas pelos cantos da casa desde que Lancelot morreu, em 29 de maio de 2021 – esse aparente equilíbrio do novo morador acaba quase zerado na relação custo-benefício entre nós. Ele continua acima de minha capacidade de administrar sua energia. É preciso que ele adormeça para recompor o potencial de fazer estripulias, para que eu consiga dar um toque aqui e ali nas demais atividades corriqueiras de casa.

Lancelot veio com um defeito: alergia dermatológica; Fred veio com outro: coprofagia. Para a alergia de Lancelot, não houve jeito; para o problema de Fred, funciona como, filosoficamente, o preço que se paga pela liberdade: a eterna vigilância – que, claro, não conseguimos exercer as 24 horas do dia. Mas, cremos, é algo passageiro, e mais cedo ou mais tarde o cão e suas fezes poderão ter uma coexistência normal.

O interessante da história é que esse problema do cachorro foi o que o trouxe até nós: sua antiga dona resolveu doá-lo porque não suportava ter um coprófago debaixo do mesmo teto. E, mesmo tendo pago R$ 3,3 mil a um canil pelo filhote selecionado, com chip instalado e origem catalogada, não hesitou em livrar-se dele e dos inúmeros mimos com que presentou o ‘bebê’. Disse ela que contratou um adestrador para livrar o cãozinho de sua obsessão, mas não obteve sucesso. Quanto a nós, vamos controlando com a vigilância.

Lancelot era assim:

Arrastar toalhas e toalhinhas, morder as arestas das cadeiras, chacoalhar tapetes, entrar em vias de fato com o controle remoto, enredar-se num fio solto que, se puxado, pode desmontar o sofá da sala, experimentar o sabor de sandálias e tênis desavisados… Não, não dá para fazer um rol de estragos possíveis: ele sempre vai arranjar algo para surpreender-nos.

Fred nos surpreende menos. Talvez porque, apesar do tempo decorrido, já estivéssemos preparados para o que teríamos pela frente. Ou talvez porque, ao elegermos sua coprofagia como o mal a ser combatido, sua capacidade destrutiva tenha assumido apenas o papel de coadjuvante.

Em tempo: estou aproveitando uma dormidinha dele para escrever este texto.

Marco Antonio Zanfra

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