Os distraídos

Era uma jovem senhora, bonita, e estava um pouco atrás de mim na fila da farmácia do posto de saúde. Levava os óculos escuros no alto da cabeça, como usam fazer as mulheres charmosas. O marido e o filho, um garoto de sete ou oito anos, aguardavam-na sentados num banco.

De repente, ela se alvoroçou:

“Gente, cadê meu celular?”

O menino, que carregava um envelope grande na mão, tentou tranquilizá-la:

“Tá aqui dentro, mãe!”

“Não tá!”, ela respondeu, antes mesmo de verificar dentro do envelope. “Ai, meu Deus, onde foi que enfiei meu celular?”

Não demorou muito, felizmente, e ela percebeu que tinha enfiado o dito cujo debaixo do braço, naquela região geograficamente conhecida como ‘sovaco’. Soltou um barulhento suspiro de alívio, e eu não consegui segurar a piadinha:

“Agora, só falta perguntar onde colocou os óculos…”

O marido riu, ela não achou graça. Não a culpo: nem todo mundo consegue rir das próprias falhas. Acho que essa é uma característica que só se alcança com a idade, quando só lhe resta divertir-se com as trapalhadas que comete, já que os erros são, cada vez mais, inevitáveis.

O constrangimento por que ela passou só foi constrangimento porque aconteceu em público. Se você for verificar a quantidade de enganos, distrações e desvios de atenção que acontecem entre quatro paredes, vai ver que, de perto, ninguém é normal. Procurar os óculos que estão devidamente colocados em cima do nariz e tentar guardar um saco de farinha de mandioca no micro-ondas – situações que já aconteceram comigo – mostram que nosso cérebro nem sempre corresponde ao que esperamos dele.

Com o avanço da idade, é cada vez mais comum você perder o foco e simplesmente esquecer o que estava indo fazer. Quando superestimamos nossa capacidade de concentração – ou quando nos esquecemos de que nossa capacidade de concentração não é mais o que era – e tentamos fazer várias coisas ao mesmo tempo, quantas atividades não ficam pelo caminho?

A gente vai encadeando uma coisa na outra e quando chega na quarta já não se lembra da segunda, e assim por diante. No caso da mulher do posto de saúde, ela se esqueceu, entre as atividades encadeadas, de que em algum momento tinha enfiado o celular debaixo do braço.

Mas ela é jovem. Ainda terá muitas dessas pela frente.

Marco Antonio Zanfra

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