Os cheiradores

Dizem que os cães têm cinquenta vezes mais receptores olfativos do que o homem. Seus trezentos milhões de caçadores de cheiro na ponta do focinho, consequentemente, precisariam de um espaço maior para processar as informações. Por isso, a área do cérebro deles responsável por trabalhar com os odores é quarenta vezes maior do que a do homem. E para que isso?

É certo que eles têm capacidade de localizar pessoas enterradas até a seis metros de profundidade, mas, domesticamente, de que vale todo esse poder? Ficar localizando pedaços de cocô no quintal? Ficar cheirando terminações digestivas de outros cães?

Tenho um labrador em casa que, além de ser o sétimo cão mais inteligente do mundo – não ele, propriamente, mas a raça dele – tem todos esses apetrechos cheiradores que distinguem os cães de nós, seres humanos, mas nunca o vi me alertar sobre alguns assuntos prosaicos, porém necessários, como, por exemplo:

– Tô sentindo um leve cheiro de gás… Será que não tem um vazamento minúsculo numa das bocas do fogão?

– Snif! Cheirinho de gasolina… A tampa do tanque de seu carro está bem fechada? Será que tem algum problema na bomba de combustível?

– Acho que essa carne moída refogada está dando o primeiro passo para a deterioração. Bota na minha tigela que eu dou um jeito nisso rapidinho!

Minha mulher diz que o fato de pensar assim me transforma num utilitarista do antropocentrismo, para quem tudo que existe na face da terra deveria estar ali para trabalhar em função do homem. E estou errado? O cão é um animal doméstico, e é no lar que ele deve utilizar suas capacidades. Eu não o quero procurando sobreviventes em terremotos ou carregamentos de cocaína em aeroportos. Quero que ele cuide dos problemas da casa.

Enquanto os cães não alcançam meu ideal utilitarista, a ciência não teria como trabalhar o sistema olfativo humano para aproximá-lo da qualidade canina? Não digo trezentos milhões de receptores, mas algo que não nos faça passar vergonha! Pesquisadores da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos, descobriram que o ser humano pode distinguir até um trilhão de cheiros, porque o olfato é seu sentido mais desenvolvido: a visão só consegue identificar dez milhões de cores e o ouvido, quase meio milhão de sons.

O detalhe é que o trilhão de cheiros têm de estar ao alcance do nariz, que serve também para sustentar os óculos. Se estiver a seis metros de profundidade, melhor chamar um cão.

Marco Antonio Zanfra

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