Ornitologia para principiantes

Tenho um amigo que inaugura todas as suas manhãs no Instagram com a foto de um passarinho. Tasca lá um bom dia e o ilustra com a imagem de nossos amiguinhos alados, ora se alimentando, ora em posições acrobáticas, ora banhando-se espetacularmente, ora imortalizado em pleno voo, ora apenas posando impavidamente como se fizesse parte de um catálogo ornitológico.

Esse meu amigo – cujo nome não revelo nem sob ameaça de um beijo da Bia Kicis, já que o sigilo da fonte me é constitucionalmente garantido – deve ter boas lentes e um equipamento de primeira, já que as fotos estão longe do padrão amadorístico que caracteriza o Insta. São fotos nítidas, ainda que em movimento (e olha que a coisa que o passarinho mais faz é movimentar-se), precisas no corte, tem cores marcantes nas plumagens exuberantes, seus diafragmas e obturadores operam na mais completa harmonia.

Outra coisa que esse meu amigo tem é um vasto conhecimento do objeto de seu foco. Ele não os chama de passarinhos genericamente, mas discrimina que tipo de canário é aquele, qual o sabiá que está cantando naquelas palmeiras, que raio de tico-tico está comendo todo o meu fubá…

Outro dia, porém, uma postagem desse meu amigo ameaçou estragar meu dia: ele botou a foto de um bichinho amarelo com uma conhecida carinha branca atravessada por uma conhecida máscara preta, e saudou-o: “Bom dia, cambacica!”

Como assim? Cambacica? Aquilo não era um bem-te-vi?

Aquele bichinho amarelo de carinha branca atravessada por máscara preta, para mim, dentro de meus vastos conhecimentos de ornitólogo formado por EAD, sempre fora um bem-te-vi. Aliás, tenho vários aqui no quintal de casa que podem confirmar essa identificação, caso sejam solicitados. Como assim, cambacica?

Presumindo a inocência, até prova em contrário, desse meu amigo, pedi que ele explicasse por que cambacica e por que não bem-te-vi, e se eles são tão parecidos como identificá-los etc. Ele me disse que os dois têm hábitos alimentares distintos – basta observar o cardápio que eles pedem nos restaurantes – e a cambacica tem porte mais modesto.

Até aí, tudo bem. Mas uma terceira diferença que ele listou mexeu com meu raciocínio lógico: ele falou que a cambacica não fica gritando bem-te-vi a toda hora!

E por que gritaria, perguntei-me? Por que diabos um pássaro que não o bem-te-vi gritaria bem-te-vi a toda hora, gratuitamente, sob risco de ser enquadrado por falsidade ideológica ou, no mínimo, responder por apropriação cultural? Vale lembrar que o bem-te-vi foi batizado em respeito à onomatopeia de seu grito característico, e não o contrário, ou seja, ele não grita o nome que lhe deram para identificar-se como se tivesse sido interceptado durante uma batida policial.

Assunto encerrado, parece: se não gritar bem-te-vi não é bem-te-vi. Mas vai saber o caráter e as intenções da cambacica… E se ela gosta de confundir? E se eu tenho aqui em casa uma família enorme de cambacicas que riem de mim quando as identifico como bem-te-vis? E se os tenho misturados, cambacicas e filhotes de bem-te-vi? Vou ter de ficar esperando cada um gritar, como na chamada da sala de aula, para saber quem é quem? (Isso supondo que a cambacica não queira me confundir e grite bem-te-vi com sotaque indistinguível…) Vou ter de observar o que cada um come para diferenciá-los pelos hábitos alimentares? Ora, tens tempo?

Quer saber? Para mim, tudo continua sendo bem-te-vi!

(A propósito: a imagem que ilustra o texto é de uma cambacica.)

Marco Antonio Zanfra

4 comentários

  1. Também tenho um amigo, ex-fotógrafo da Folha, que fotografa pássaros pelos parques de São Paulo, e os chama pelo nome científico. Se ele falou que é cambacica, é cambacica, pô

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