O puchero fica lá em cima

Difícil para um brasileiro viajar a Portugal e, vez ou outra, não retornar à quinta série, quando o assunto é comida ou bebida. É um tal de punheta de bacalhau, arroz de pica no chão, cueca virada, isso quando não coincide com uma visita à Feira da Foda, na freguesia de Pias. Aliás, a faixa na entrada da cidade chamando para o evento não deixa de ser pra lá de convincente: “Boa Foda para todos!”

Se visitarmos as vinícolas ou caves portuguesas, então, a coisa descamba de vez. Começa pelo nosso conhecido Periquita, passa pelo Pinto, Buçaco, Vinho do Putto, Morte dos Cabaços, Rapariga da Quinta, Quinta da Pellada, e por aí vai. Não degustei a maioria deles, mas posso garantir, sem medo de errar, que cada um vale cada euro gasto.  
 
Quanto à comida, independentemente da nomenclatura, embora não seja um bom garfo, no sentido de comer muito, me considero um gourmet, um apreciador de um bom prato. Pode ser da cozinha brasileira, francesa, italiana, peruana, portuguesa, espanhola. A propósito, os espanhóis também batizam alguns de seus pratos com nomes que, para nós, soam engraçados e até maliciosos. Sem falar nos tapas dos botecos, duvido que alguém não lamba os beiços diante de um rico, nutritivo e saboroso puchero.

Puchero, para quem não sabe, é um sopão bem temperado, preparado com grão de bico, legumes, paio, costelinha de porco etc. Os portugueses apresentam a versão deles, a que dão o nome de cozido, enquanto os franceses têm o cassoulet. Leva quase os mesmos ingredientes, só que com feijão branco.

Todo esse meu “arrudeio” para falar de um puchero muito bem-preparado aqui mesmo, nos arredores de São Paulo, durante um churrasco da turma da firma. Essas reuniões eram realizadas pelo menos uma vez por mês. Em geral, juntava o pessoal da área de compras, alguns da administração e eu, representante da redação e do marketing.

Nos reuníamos, homens em sua maioria, quase sempre numa chácara, alugada ou cedida por alguém. Neste caso, quem nos emprestava o espaço era o Jorge, um legítimo descendente de espanhóis, representante comercial de um de nossos fornecedores. Ficava à beira da represa Billings, em Rio Grande da Serra, no ABC Paulista.  
 
Em um desses eventos, levei meu filho Vitor, ali pelos seus oito, nove anos. Simpático, Jorge, veio nos receber no portão e, enquanto falava das atrações do sítio, me disse ao pé do ouvido: “O puchero tá sendo preparado lá em cima”. Lá em cima era uma parte mais elevada do sítio, onde havia um grande galpão.  

Notei que, enquanto ele falava, meu filho me olhou cismado. Não disse nada e eu também não liguei. Fomos jogar bola, pescar, nadar, até que encontramos o Jorge de novo: “Daqui a pouco, o puchero estará pronto.” Outra vez o olhar de indagação do Vitor. Foi quando me dei conta de sua dúvida. Ele devia estar pensando “pô, meu pai deixa minha mãe em casa e me traz num lugar desses”.

Na terceira vez em que falamos com o Jorge, pedi para darmos uma olhada no puchero. Subimos uma pequena rampa e chegamos ao galpão, que abrigava no centro um fogão de lenha e em cima dele um grande caldeirão fumegante. Ele tirou a tampa e, para alívio do Vitor, mostrou o famoso “sopão” espanhol.

Comemos muito e ainda levamos uma marmita para casa. No carro, ouvi: “Pai, quando o cara falou em puchero, pensei que ele estivesse falando de outra coisa. Aquela casa, aonde os homens vão e têm um monte de mulheres quase peladas.” Ri muito, não disse, mas pensei comigo: “Até que não seria má ideia juntar no mesmo prato a fome e a vontade de comer?”

Manoel Dorneles

2 comentários

  1. É o mesmo, só que bem mais inocente. Quanto ao Pepino, tenho certeza de não ser o legume preferido dele

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