O Natal dos anônimos 

Todo ano é a mesma coisa: basta entrar dezembro e as várias personalidades que passaram quase anonimamente por sua vida nos meses anteriores vêm apelar para seu incipiente espírito natalino e pedir uns trocados para que seu próprio Natal seja um pouco menos miserável. 

Não sei se o apelo traz resultados compensadores, porque eu mesmo nunca tive vocação para Papai Noel e nunca atendi aos seus pedidos, antes sutis e hoje cada dia mais descarados. Mas, pela recorrência da prática, para alguma coisa deve servir esse apelo à benemerência. Aliás, se não valesse a pena, por que gastariam dinheiro com a confecção dos cartões? 

Quando criança, era eu quem recolhia da caixa de correspondência, em meados do derradeiro mês do ano, um pequeno envelope em branco com um cartão: “Os lixeiros de sua rua desejam a você e sua família um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.” Os ‘lixeiros’ passaram depois a chamar-se ‘coletores de lixo’, mas nunca devolvi o envelope com algum recheio, qualquer que fosse a denominação dos destinatários. 

(Cheguei a pensar em recolocar o cartão na caixa retribuindo ironicamente os votos com “obrigado, o mesmo para vocês e suas famílias”, mas fiquei com medo de não gostarem da piadinha e deixarem malcheirosos produtos de seu trabalho na frente do meu portão.) 

Quem frequenta bares, padarias e similares já deve ter visto que a tradicional caixinha que passa o ano acomodada a um cantinho do balcão tem a partir de dezembro uma repaginação: é encapada com papel de presente, com motivos natalinos, e os dizeres “caixinha de Natal dos funcionários”, “do chapeiro”, “dos balconistas” etc. Até de funcionários dos Correios, juro, já recebi cartãozinho apelando para meu bom coração! 

Já na idade avançada, continuo, aqui em Florianópolis, recebendo os cartões dos coletores de lixo – dois, aliás: o comum e o reciclável. Mas o que me chamou a atenção, este ano, foi o pedido da vigilância noturna: “Pedimos sua colaboração para o 13º salário.”    

Como assim? Pagamos uma taxa mensal para que a vigilância passeie de moto pela região durante a noite e a madrugada, mostre com um simulacro de sirene que está por ali, para afugentar eventuais desocupados, mas é apenas isso: uma taxa mensal. Não os contratamos pela CLT, e, portanto, não está previsto em sua remuneração um providencial (reconheço) décimo terceiro salário. Quisessem esse pagamento a mais, deveriam ter colocado isso em contrato. Mas não temos sequer um contrato escrito. 

Posso parecer cruel e insensível com as necessidades alheias, mas tenho minhas razões: você abre a guarda para o décimo terceiro, daqui a pouco estão pedindo férias remuneradas, fundo de garantia e direitos trabalhistas por demissão sem justa causa! Vai saber até onde vai o oportunismo humano! 

Marco Antonio Zanfra 

Um comentário

  1. Zanfra, desculpe, mas sou obrigado a concordar com a Célia, vc me parece um tanto quanto pão duro. Os caras nos suportam, nos servem o ano inteiro, devem ganhar uma merreca; claro que recebem lá seu décimo terceiro, mas já está comprometido no início do ano. Custa nada dar uma gorjeta pra eles comprarem um peru ou um espumante no Natal. Você há de concordar que somos um pouquinho mais privilegiados do que eles. A propósito, como também suportei você o ano inteiro, a chave do meu pix é… kkkkk ,.

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