Há uns 40 anos, fui parar numa redação de jornal… cheia de homens. Mulheres? Só três, uma delas secretária do diretor e parente do dono da empresa. Havia uns 100 machos (machos, mesmo, bem no estilo do genocida que governa o Brasil e de alguns petistas fanáticos). Era um período tenebroso, de ditadura militar.
Sonhadora, só queria melhorar o mundo, levando informação de qualidade ao público.
Fui trabalhar como redatora, na editoria de Economia, com dois homens.
“Sabe o que é uma lauda?” Foi a primeira pergunta do editor.
“Não”, respondi.
“E uma retranca?” A segunda pergunta.
“Não”, respondi.
“Sabe datilografar? A terceira pergunta.
“Sei”, respondi e, em pensamento, agradeci ao meu pai por me obrigar a fazer um curso de datilografia.
“Sente aí e o resto a gente ensina.”
Se o leitor não sabe o que é lauda e retranca, nem vou explicar, porque deixaram de existir, há muitos anos. Então, continuemos a história.
Nos três primeiros meses, só tensão. Os sonhos maravilhosos se desfizeram, diante da triste realidade. Era um jornal de extrema direita. Havia gente da Polícia Federal, da Polícia Militar, do DOPS e sei lá de quais outras forças de segurança, “trabalhando” como “jornalistas” e registrando todas as palavras e atos de todos nós. Tudo censurado ou modificado, de acordo com o que eles queriam. Jovem e bonita, eu ainda era vítima constante de assédio, a ponto de, um dia, ser atacada por um “admirador” no banheiro feminino. Dei um murro na cara dele e quebrei os óculos que usava. Hoje, dou risada, ao lembrar. Na época, tive medo, muito medo…
Certa vez, numa festa no jornal, o coronel Erasmo Dias, então secretário de Segurança Pública, me tratou como garçonete e mandou ir pegar um uísque para ele. Depois, com muita grossura, que colocasse mais gelo. Faltou pouco para eu não jogar o uísque na cara dele! Tempos depois, contrariado, teve que me ensinar a atirar no estande da empresa de segurança que treinava os guardas civis.
“Mulher não vai pegar arma nem atirar aqui”, disse. Quando soube que eu era assessora de Comunicação da Guarda, teve de colocar o machismo de lado, me entregar uma arma e me ensinar a acertar o alvo.
Na redação, chorava quase todo dia, até que meu cunhado, Prêmio Esso de Jornalismo (no tempo em que a honraria distinguia os melhores), me disse:
“No jornal, se você ‘dá’, falam que ‘dá’; se não ‘dá”, falam que ‘dá”, do mesmo jeito; então, seja profissional.”
A partir daí, parei de chorar e passei a responder à altura para todos aqueles machos que me rodeavam. Se levava bronca, sem razão, minha resposta era tão malcriada que acabavam por se calar. Quando me cantavam, fazia de conta que não era comigo.
Havia mais um problema: eu fazia faculdade e, na época, o diploma passou a ser exigido de todos os jornalistas. Hoje, não mais se exige o documento, “graças” ao Supremo Tribunal Federal. Qualquer idiota pode dizer que é “jornalista” e até pedir registro profissional. Na redação de 40 anos atrás, até aquele momento, era a única que teria diploma. Só isso bastava para o massacre de muitos profissionais da velha guarda, que só conseguiram o registro porque a lei deixava uma brecha a quem já exercia o jornalismo há cinco anos (ou dez, não lembro).
Mulher, diplomada e jovem, consegui me impor sobre os machos e conquistar respeito. Só que nunca recebi uma promoção, pois, mesmo com toda a competência, fui preterida, cada vez que surgiu uma vaga. O escolhido? Sempre um homem, a ponto de eu ter como chefe um menino que fora meu “foca” (“foca” é como chamamos os iniciantes na profissão e não se sabe ao certo o motivo do apelido). Claro que eu mandava nele, mas o cargo lhe pertencia, não a mim!
O tempo passou, as coisas mudaram, as mulheres conquistaram seu espaço no jornalismo e no mundo. Ainda não há igualdade, é claro! Mas a luta continua.
Hoje, sou a única Luluzinha no Clube do Bolinha do Contando História. Não por preconceito dos outros escribas, mas por ter sido a única, até agora, a querer participar.
Atualmente, quando vejo mulheres jornalistas se vitimizando, achando que são atacadas só por serem mulheres, tenho até raiva. Claro que, quando o ataque vem de machos, como o genocida, é óbvio que ocorreram principalmente por serem mulheres! Mas acontecem, também, por causa da profissão que escolheram. Jornalismo, minha gente, não é para os fracos, seja homem ou mulher!!! A menos, é claro, que a decisão seja fazer falso jornalismo, o das fake news, o que é pago – e muito bem pago – pelos que odeiam a verdade.
No Brasil e no mundo de hoje, nós, mulheres e homens, que acreditamos na ética jornalística, temos uma luta bem mais difícil e árdua: a luta para que prevaleça a verdade dos fatos. Os patrões? Ora, se nos mandarem embora, paciência. Sempre haverá uma vaga, num veículo decente, para quem trabalha com ética e honestidade! Se não houver, continuaremos a gritar e a protestar nas redes sociais.
Depois de tudo o que passei, quero e preciso ter esperança: dias melhores virão e o jornalismo sério vencerá!!!
(Observação: o texto foi escrito em 7 de abril, Dia do Jornalista.)