Nada como um belo palavrão

Os cientistas certamente nunca ouviram falar de mim, e suas intenções parecem ser muito mais nobres do que alguma que eu porventura tivesse, mas, para todos os efeitos, já endossaram uma tese que defendo há largos anos: a que consagra um grande e às vezes insubstituível valor profilático, anestésico e exorcismático ao palavrão.


Os estudos ainda não são tão completos quanto minha teoria – já que se limita ao efeito psicossomático de um sonoro impropério no ato de enfrentar a dor – mas ainda vão chegar lá: vão descobrir que soltar o verbo desestressa, libera adrenalina, canaliza agressividade em excesso, desopila fígados, espanta tubarões, desentope artérias, previne acidentes vasculares de qualquer espécie e aumenta a longevidade.

Que o diga Derci Gonçalves, que passou dos cem anos abrindo a boca nem sempre para distribuir gentilezas.


Tem efeitos colaterais, claro: ouvidos especialmente sensíveis, por exemplo, hão de sentir-se conspurcados pelo repertório chulo que compõe a terapia do palavrão. Mas há de ficar em evidência que, para se evitar males maiores – como infartos, aneurismas e tromboses – algumas suscetibilidades precisam ser feridas e alguns pudores precisam ser desvendados. Tudo pelo bem da humanidade.


Como eu dizia, porém, os estudos atestaram por enquanto apenas o poder analgésico do palavrão – ou, na verdade, a capacidade maior de suportar a dor de quem enfrenta a algia com a boca que mamãe mandaria lavar imediatamente. Experimentos com pessoas que conseguiram manter suas mãos mergulhadas numa bacia com água gelada por dois minutos, em média, provaram que antecipar com uma bela palavra de baixo calão o ato de mergulho mantinha a resistência. Quando a expressão utilizada era, digamos, menos cabeluda, as cobaias não conseguiam passar de um minuto e quinze.


A capacidade maior de resistir à dor usando como escudo um belo palavrão é algo que a gente sabia faz tempo – ou alguém ainda dá uma topada com o dedinho do pé na quina da cama e recita ‘Os Lusíadas’? – mas os efeitos dessas imprecações já ganharam caráter científico. Por isso, ficou menos politicamente incorreto soltar a boca em algumas circunstâncias.


Ainda que os estudiosos alertem que o uso abusivo do palavrão pode tirar dele o efeito lenitivo, acredito que ninguém se utiliza do chulo gratuitamente. Há uma expressão latina para definir essa circunstância: ex abundanctia enim cordis os loquitur, ou ‘a boca fala do que está cheio o coração’.

Se o coração está cheio de coisa feia, fazer o quê?

Marco Antonio Zanfra

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