Morrer esbanjando saúde

Chega uma certa idade e a gente começa a rever com um pouco mais de critério e sabedoria nossos limites e tolerâncias. Coincide com a época em que aceitamos finalmente que a morte é inevitável, que não dá para escapar, mas que podemos retardar um pouco o momento de nos defrontarmos com nós mesmos.

Ninguém fica para semente, sabemos disso, mas vai que, nesses meses a mais que conquistamos de sobrevida, um louco aí não descobre o elixir da eterna juventude…

E então passamos a dosar com parcimônia o sal e os condimentos, reduzimos o álcool e o fumo, passamos a fazer caminhadas diárias, exageramos no consumo de frutas e verduras, passamos a ouvir com mais carinho dicas de saúde, procuramos dormir cedo e acordar cedo… E, é claro, passamos a fazer exames periódicos, para avaliar o desempenho integral do mecanismo.

Colesterol HDL, creatinina, glicose, colesterol LDL, triglicerídios, hemograma, antígeno prostático… exame de sangue em jejum, despreza o primeiro jato de urina, eletrocardiograma de esteira… toque retal, eritrócitos, leucócitos, linfócitos, hemoglobina…

Tudo testado cuidadosamente para ver se você está lá, tudo em cima, tudo dentro dos limites toleráveis… Com um pouco de sorte, um bom metabolismo e alguns cuidados básicos, você pode ter mais de cinquenta e ser um verdadeiro garotão

Mas aí você está em casa, sente-se mal, dói o peito, respira com dificuldade, a família chama socorro e, menos de uma hora depois, pimba!, você está morto. Estava com tudo em cima, um meninão na flor da idade, esbanjando disposição e invejável índice de triglicerídios, mas está morto. Morreu gozando da mais perfeita saúde, como comparou certa vez a jornalista Rachel Melamet, diante da morte precoce do jornalista Flávio César. Pois é.

Aconteceu com o cantor e compositor Zé Rodrix, por exemplo: recém-submetido a um check-up, que indicou que estava tudo bem com ele, morreu logo depois. Aconteceu com minha irmã, que tinha combinado comprar uns discos de pizza depois da consulta dentária, mas tombou na rua antes mesmo de entrar no dentista. Aconteceu com a própria Rachel Melamet, levada por um infarto aos cinquenta e poucos anos.

O sistema todo pode estar operando na maior das normalidades, dentro dos parâmetros aceitáveis de bom funcionamento, mas, se a central de processamento vascular parar, meu amigo, um abraço… Não adianta a carta de apresentação fornecida por laboratório clínico se a maquininha deixa de bater, assim sem mais… Mal comparando, seu carro pode ter acabado de passar por uma revisão completa, mas, se lhe queima o rotor – uma pecinha de R$ 15,00 que distribui as faíscas às velas – não há certificado de garantia que o faça sair do lugar.

O coração é uma peça como outra qualquer, acho, que pode funcionar sem qualquer solavanco durante décadas, ou sofrer uma pane inexplicável e levar seu proprietário para as cucuias mais cedo. Creio que seu funcionamento é mais sujeito a surpresas do que a regras de comportamento, e isto explicaria por que pessoas absolutamente desregradas estão por aí, beirando o centenário.

De modo que ter um comportamento monacal, embora seja opção de cada um, não garante a sobrevida de ninguém, enquanto se espera que um louco aí descubra o elixir da eterna juventude.

Marco Antonio Zanfra

5 comentários

  1. Nooosa, Marcão, assim você me mata!

    Sou cagão até para falar de doenças do coração. Uma vez estava cobrindo uma greve do INSS, pela Agência Folhas, num posto ali na região do Anhangabaú. A Helena de Grammont começou a falar dos problemas cardiovasculares da família dela na roda de repórteres. Eu ali ouvindo e, de repente, do nada, apaguei. As enfermeiras me socorreram, me deram um café. Sorte que eu estava num posto de saúde…

  2. Zanfra, Dorneles… eu sei que terei de ir um dia. É inevitável! Mas já vou deixando bem claro pro Big Boss lá em cima: vou, mas vou sob protestos! eu, hein?

  3. A única coisa que não quero é ficar doente, sofrendo, como meu pai. Coração parar, de repente? Que seja!!!

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