Meu eu interior

– O senhor está dezessete anos atrasado! – disse a gastroenterologista, enquanto preenchia, sem qualquer sinal exterior de pesar, uma requisição para o exame de colonoscopia.

Ela disse que esse acompanhamento intestinal deve ser feito a partir dos cinquenta anos, ou até mais cedo, caso haja antecedentes na família, o que era meu caso. Eu não deveria esperar sintomas do que poderia ser um câncer colorretal para procurar ajuda médica.

Mas fazer o quê? A colonoscopia é um dos exames mais demonizados do mundo, principalmente entre os homens; vira e mexe, é motivo de piada nas sitcoms, quase no mesmo nível do toque retal na próstata. O que nos faz sempre deixá-lo para depois. Quem consegue imaginar uma câmera de vídeo percorrendo suas entranhas, e entrando por um caminho normalmente usado apenas para saídas?

O medo da morte é, porém, mais forte, e eu tive de aceitar me submeter a meus medos. A doutora, para complementar o ‘empalamento’, pediu uma endoscopia simultânea, em que a câmera entra pela boca, e meu aparelho digestivo inteiro seria mapeado pela medicina.

Só que a colonoscopia não é maior dos problemas, afinal: você vai estar sedado e sequer vai perceber se usarem uma câmera super 8 para obter os takes do seu íntimo. O problema mais danoso é o antes, a preparação: você deve estar com o cólon limpo para a clareza das imagens, e a gastroenterologia criou produtos farmacêuticos especialmente para isso. Não importa o quanto as restrições te deprimam ou frustrem.

Imaginem uma pessoa como eu, que passa o dia beliscando, comendo frutas, chocolates, biscoitos, tomando café, comendo carne… ser proibido disso tudo, por longos três dias? E que, sete horas antes do exame – no meu caso, esse período de sete horas começou às três da manhã – tem de tomar três copos, com intervalos de quinze minutos, de uma mistura que deve limpar o que sua dieta não limpou?

Para resumir: das seis da manhã até hora em que saí de casa para o exame, às nove, fui dezesseis vezes ao banheiro, com cólicas terríveis. E ainda cheguei à clínica com sobras. Vesti uma bermuda em que caberiam mais dois de mim e só deixei de ficar tenso quando a anestesista pediu que eu respirasse fundo pelo menos dez vezes e eu só consegui contar até quatro.

Ao final, apesar das dores abdominais e da cor branca, contrastando com o verde do uniforme, a médica que acompanhou o exame disse que um dos seis pólipos retirados de meu intestino era bem maior que os outros e tinha possibilidade de se tornar maligno:

– Você foi salvo de um câncer! – ela garantiu, mesmo antes do resultado da biópsia. Não consegui festejar na hora, mas devo reconhecer que o medo de morrer deu uma trégua.

Marco Antonio Zanfra

2 comentários

  1. A preparação é um horror… tive que fazer muitas por conta de uns resultados meio incertos, e esse período de preparação é cruel! Mas adoro uma anestesia, adoro!
    Mas me conta: usaram a mesma camera pra fazer a endoscopia depois da colonoscopia?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *