Na Cidade de Goiás, todas as pessoas têm alguma história sobre Maria Grampinho. Hoje, famosa, tem até namoradeiras, bonecas de pano e quadros com sua imagem, à venda nas lojas. Primeiros parênteses (adoro incluir fatos nas minhas histórias!). Namoradeira é aquela escultura que, normalmente, enfeita a janela, mas também pode ser colocada em cima de móveis. Nada a ver com o comentário do senador José Serra, dirigido à também senadora Katia Abreu e que lhe rendeu uma taça de vinho na roupa…
Vou contar a história que vivi, com relatos que ouvi.
Maria Grampinho vivia nas ruas de Goiás, sempre com uma trouxa de roupas na cabeça, como se fosse lavá-las no Rio Vermelho. À noite, entrava na casa de Cora Coralina e ia para o fundo do quintal.
Na época, a então Goiás Velho era conhecida como a “Cidade das Portas Abertas”. Quem quisesse, entrava, trocava um dedo de prosa, tomava um café, comia um biscoito (bolacha???), bolo ou doce, sentava-se ou, então, ia para outra casa. Não precisava ser pessoa amiga ou conhecida dos donos. Era só chegar e entrar.
Na casa da minha avó, depois do jantar, continuávamos sentados à mesa, ouvindo suas histórias e poemas, enquanto ela descascava figos ou passava açúcar cristal nos cajus, para a calda secar, processo que demorava muitos dias.
Quando o entra e sai diminuía, Maria Grampinho chegava e, sorrateiramente, ia para o fundo do quintal, sem iluminação e sem calçamento. Nunca disse uma palavra.
Criança, eu tinha medo da Maria. Muito medo! E curiosidade, aquela típica de criança, que só dura uns minutos. Vovó continuava tranquila, conversando, fazendo doces e, logo, o medo e a curiosidade sobre Maria iam embora
Além das dezenas de grampos, Maria colecionava botões de todos os tipos e cores, argolas, restos de tecido, e os usava para enfeitar e confeccionar a própria roupa. Roupa sempre muito limpa, por sinal. Acho que lavava mesmo no Rio Vermelho…
Contava minha avó, que ela usava sete saias. No frio, tudo bem. No calor, como minha filha diz, tem um sol para cada um, em Goiás. Sete saias! Uau!!!!
Depois que dormíamos, Maria se acomodava nas escadas que davam acesso da sala ao quintal e dormia ali. Não, não era no porão, como contam em Goiás. O porão era úmido e o chão, de terra. Ela dormia nas escadas. De vez em quando, a ouvia ressonar.
Como sei, além de ter ouvido seu ressonar? Sempre, pela manhã, achávamos muitos dos seus grampos e relíquias nas escadas. No porão, na bica, no meio das árvores, nem um sinal da permanência dela.
Há uns 15 anos, conheci Salma Saddi, na época superintendente do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Tocantins e em Goiás. Salma contou que Maria Grampinho fora sua babá. Claro que chequei a informação, coisa de jornalista! Encontrei o poema de Cora, dedicado a Maria “Coisas de Goiás: Maria”.
E um trecho especial, sobre Salma: “Tem a moça Salma, humana e linda, flor da cidade, luz da sociedade goiana, ela preza Maria e fala como fala a generosidade das jovens: Maria me contava estórias, quando eu era pequena.
Fui carregada nos braços da Maria.”
Maria Grampinho morreu pouco tempo depois da minha avó. Acho que sentia falta da amiga…
(Cora Coralina morreu em 10 de abril de 1985, em Goiânia, dormindo. Estava internada, com pneumonia. Maria Grampinho foi encontrada sem vida, na Casa da Ponte. No meu imaginário, deve ter entrado pelo portão de trás, pois as portas da frente ficaram muito tempo fechadas, depois que Cora se foi…).