Se eu gosto de Carnaval? Olha, não tenho nada contra! Durante anos, cobri pela Folha de S. Paulo os desfiles das escolas de samba, que então ocorriam na avenida Tiradentes, e vibrava com isso. Curtia as escolas, curtia os enredos, decorava o samba. Saía em blocos, encarava até alguns bailes…
O detalhe é que naquele tempo eu bebia. E a conclusão a que se pode chegar – e não tenho como contestá-la – é que tudo o que eu fazia no Carnaval, incluindo a cobertura jornalística, eu fazia bêbado! Só mesmo muito embriagado para saracotear por aí, para sentir o samba na veia, para deixar a inibição dormindo no sofá da sala.
Se eu gosto de Carnaval hoje, quando não bebo mais? Continuo não tendo nada contra. Mas estou pouco me lixando se este ano vai ter Carnaval ou não. O feriado pouco me importa, já que estou aposentado. E se não tem desfile das escolas de samba pela tevê, sempre há a opção de um bom livro – mesmo porque nunca me liguei muito em ver o samba pela tevê.
Mas o que me traz aqui é uma lembrança desses carnavais de outrora, regados a muito álcool. Aliás, não é bem um ‘carnaval de outrora’, mas um pré-carnaval, uma brincadeira que antecedia os quatro dias de folia.
Acompanhe:
No final dos anos 70, a Folha tinha um bloco carnavalesco – e o Nereu Leme deve lembrar-se disso – que desfilou três ou quatro vezes, se muito. Juntava-se um monte de jornalista bêbado no final do expediente da sexta-feira anterior ao Carnaval e saía-se a fazer barulho pelas ruas do Centro. Chamava-se ‘Nóis sofre mas nóis goza’ e chegou a ter samba-enredo próprio, com refrão e melodia de Osvaldinho ‘Macuinaíma’ Faustino e letra deste que vos fala.
Uma palhinha: “A gente canta o sofrimento em verso e prosa/Nóis sofre mas nóis goza, nóis sofre mas nóis goza/Ai, que delícia!/O meu salário já nem dá pra fantasia/A cara de fome até virou alegoria/E o meu dia a dia são os dias de Carnaval/Cada dia eu tô mais mal, mas sobra pra folia…”
Pois bem: sente o fôlego! No último ano em que o bloco desfilou, engordado por novos entusiastas e gentilmente acompanhado pela bateria da escola Cabeções de Vila Prudente, o grupo saiu da praça Princesa Isabel, seguiu pela avenida Rio Branco, entrou na Ipiranga e seguiu até o Redondo, onde seria a dispersão. Só aí já completamos 1,3 quilômetro.
Mas meu grupo não estava satisfeito: descemos cantando a Rego Freitas e voltamos para o bar ao lado da Folha – mais 800 metros de caminhada – para reabastecer. Era o suficiente? De jeito nenhum!
Depois do tanque cheio e os pneus calibrados, seguimos pela Barão de Limeira até o Garitão, na alameda Ribeiro da Silva, ou seja, mais 800 metros. Ali dentro, depois de quase três quilômetros de caminhada e mal enxergando em foco um palmo à frente do nariz, fui me meter a apaziguar uma briga entre duas mulheres e acabei arrumando encrenca maior ainda com o marido de uma delas! Fui posto para fora, que o Garitão era lugar de respeito! Coisa de bêbado…
Se curto Carnaval? Tanto faz! Se tenho saudade daquele tempo? Nenhuma!
(Por falar em saudade, a foto que ilustra o texto é do saudoso U. Dettmar!)