Filanópolis

Não tenho certeza, mas creio que a ideia de chamar Florianópolis de Floripa não partiu de um florianopolitano, mas de um gaúcho. Tenho dois fortes motivos para acreditar nessa teoria: o primeiro é a presença suficiente – ou até mais do que suficiente – de gaúchos na Ilha de Santa Catarina, tanto como moradores quanto como visitantes, o que daria força à probabilidade de que, embora endógena, a alcunha não seja necessariamente nativa.

O segundo é a histórica capacidade deles, especialmente dos porto-alegrenses, de abreviar preguiçosamente as palavras. Eles chamam, por exemplo, supermercado de super e refrigerante de refri. Daí a força do corolário: se alguém não consegue falar su-per-mer-ca-do, como vai conseguir pronunciar flo-ri-a-nó-po-lis?

Um terceiro dado forneceria o remate a esta minha conclusão: da mesma forma que não me lembro de ter ouvido sequer um paulistano chamar São Paulo de Sampa, não ouço os manezinhos referirem-se a sua terra natal como Floripa. Eles preferem tratá-la respeitosamente pelo nome próprio – embora haja quem tenha manifesta predileção pelo ancestral Desterro, principalmente por achar que Floriano Peixoto, por seu caráter, não mereça tão bela homenagem.

Não posso negar, todavia, que Floripa tenha uma conotação carinhosa. Induz a uma concepção de intimidade, provavelmente em contrapartida à capacidade acolhedora da Ilha da Magia. É mais ou menos como chamar a bisavó de bisa e a madrinha de dindinha. Não deixa de ser uma retribuição à enorme capacidade que Florianópolis tem de abrir seus braços aos visitantes.

Mas talvez esta sua qualidade seja hoje seu maior problema: a cidade continua com os braços abertos, embora tenha hoje uma capacidade de absorção bastante comprometida. Para ter uma ideia, a cada 14 gaúchos que aportam na ilha todos os dias, segundo dados da prefeitura, dez vêm para ficar. Não tenho dados sobre migração paulista ou paranaense, mas tenho certeza de que, salvo um aporte provavelmente bem menor, a proporção dos que ficam deve ser semelhante.

Tudo bem, Florianópolis é apaixonante, uma cidade de amor à primeira vista. Essa convergência é justificável. Eu mesmo decidi que iria morar na ilha logo em minha primeira visita. Por isso, não tenho hoje o direito de impedir que outros apaixonados usufruam desse amor. Mas não posso me furtar também de passar uma informaçãozinha básica: a população daqui mais do que dobrou nos últimos 30 anos e sua frota de veículos cresceu 2,22 vezes em apenas 15 anos.

Até ‘coração de mãe’ tem seus limites. No nosso caso, a extrapolação desses limites é mais visível no trânsito. Dizia o colunista Cacau Menezes – quando estava ‘Diário Catarinense’ e não o deixavam ser o fascista que é hoje no bolsonarista ‘Notícias do Dia – que o problema de Florianópolis não é o excesso de veículos, mas a falta de ruas. É compreensível: além de ser ‘um pedacinho de terra perdido no mar’, como diz o ‘Rancho de Amor à Ilha’, hino oficial da cidade, o pedacinho destinado ao tráfego é limitado pelo perfil montanhoso.

Floripa? Não, acho que o cognome mais apropriado hoje é Filanópolis.

Marco Antonio Zanfra

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