Lá pelos meus nove, dez, durante as aulas de história do primário, ouvia extasiado as explicações dos professores de que o verde e o amarelo de nossa bandeira remetiam, respectivamente, o primeiro às nossas matas e o segundo às riquezas minerais de nossas terras. Ufanistas, os professores tratavam de enfeitar ainda mais o pavão, ao quase atestarem àquele bando de moleques inocentes que tínhamos a bandeira eleita a mais bonita do mundo. Cheio de mim, estufava o peito, mirava o “lindo pendão da esperança” e pensava “este Brasilzão é f… mesmo, tem de tudo aqui, água, mato e minérios, ouro inclusive, pra dar e vender”. Não demorou muito para eu descobrir, também nas aulas de história, que as cores da bandeira brasileira, na verdade, remetiam às casas reais de Bragança (verde) dos Habsburgo (amarelo), que deram origem ao nosso garboso príncipe libertador. Até aí, tudo bem, nem fiquei tão decepcionado assim, afinal o nosso país ainda tinha a Amazônia, o Cerrado e uma porção de Mata Atlântica, Pantanal, Iguaçu, além de um marzão infinito com praias de tirar o fôlego.
À essa época, jogava futebol na rua, mas também começava a me interessar por jogos de futebol da seleção – a televisão ainda estava chegando –; ouvia as transmissões pelo rádio e me deliciava com o “melhor futebol do mundo”. Na Copa do Mundo de 1970, já com a tevê, vibrei como nunca com o tricampeonato, “apesar de você” e dos militares no comando do País. Tinha orgulho de sair às ruas com uma camisa amarela da seleção, ainda que comprada no camelô da rua 25 de Março. Lembro que até pendurei uma bandeirinha do Brasil na janela de casa, aliás, o que era muito comum naqueles tempos. As ruas eram decoradas, soltavam-se balões alusivos à seleção, o País inteiro pintava-se de verde e amarelo, uma beleza. Claro, para não dizer que só falei de flores, como eram tempos sombrios no cenário político nacional, os perrengues eram gigantescos. Ainda no colegial, mais de uma vez, vesti minha amarelinha falsificada para protestar contra os generais de plantão ou pedir Diretas Já. Quantas vezes não presenciamos manifestantes, mais graduados do que nós, a entoar o Hino Nacional, enquanto inalavam gás lacrimogênio e levavam porrada a três por quatro no lombo? No entanto, o verde e amarelo sempre predominava.
Anos e anos se passaram e hoje, exatamente 19 de junho de 2021, estou aqui no meu carro, sozinho, em meio ao trânsito da Marginal do Tietê, em São Paulo. O movimento intenso, imagino, se deve às manifestações que se desenrolam aqui e em todo o País, contra o atual desgoverno instalado em Brasília. Penso que boa parte desses veículos se dirige para a Avenida Paulista, a poucos quilômetros dali. Como não pude participar por conta de compromissos familiares, para passar o tempo, me pego a vasculhar carro por carro, atrás de uma bandeira, uma fita ou uma camiseta amarela, como nos velhos tempos. Bobagem a minha, não demoro muito para lembrar que esses símbolos, aparentemente, não nos pertencem mais, pelo menos por enquanto. Vestir uma amarelinha ou empunhar uma bandeira nacional atualmente virou coisa de gente que elegeu e concorda com as atrocidades cometidas por esse destemperado que se intitula presidente do Brasil.
Nos meus devaneios, voltei aos bancos escolares da minha infância e imaginei nossas matas e florestas, como eram e como se apresentam hoje em dia, em tons de um verde cada vez mais fugidio, maltratado e esmaecido. Como não lembrar nessa hora do tal ministro do Meio Ambiente (vejam bem), recentemente defenestrado, cuja frase mais célebre foi “vamos aproveitar as preocupações em torno da Covid pra ir passando a boiada” na sua pasta”? Por causa dele e de seu chefe, os bois, boiadas e madeira que passaram por ali contribuíram para deixar a Amazônia um pouco menos verde. Pior é que o amarelo, por conta dessa administração pífia e corrupta, para não ficar atrás, também tem desbotado a olhos vistos. Me dei conta de que até a seleção que tanto admirava já não empolga mais, não me representa, aliás, tenho dúvidas se ela continua sendo nossa de fato e uniforme. Quantas vezes os jogadores já não amarelaram (literalmente), enquanto nós ficamos verdes… de raiva. Hoje, dizem os bolsominions, nossas bandeiras são vermelhas. Não são não, o que nos deixa vermelhos de cólera é a nossa impotência ou o desgosto de ter que aturar os despautérios cometidos, dia sim, o outro também, por alguém que podemos chamar, sem nenhum prurido ou cor, de Vossa Excrescência.
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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O que o tempo altera e vira história
Lembrando Chico: “Mas não me deixe assim, tão sozinha, a me torturar/Que um dia ele vai embora, maninha, pra nunca mais voltar!”
Apesar “deles”,
amanhã há de ser um novo dia