Endireita essas costas!

Descubro, não sem uma pontinha de orgulho, que a humanidade vai demorar ainda oitocentos anos para conseguir ostentar naturalmente, como eu, a suavidade de minha curvatura dorsal, postura torta que consegui ao longo de alguns anos de descaso absoluto com minha coluna.

Esse desvio sutil, tão natural em mim, só vai estar ao alcance dos outros pobre mortais dentro de uns oito séculos. E, mesmo assim, sem que seja possível comprovar se a perfeição foi ou não alcançada, já que provavelmente não estarei vivo para servir de paradigma.

Devo admitir que não tenho grandes méritos em chegar a essa postura encurvada – não tão acentuada quanto a do Quasímodo, por exemplo, mas nem por isso menos graciosa: bastou relaxar os ombros a cada vez que me sentei para fazer qualquer coisa.

É admissível que uma pequena escoliose de nascença tenha ajudado na busca por essa perfeição, mas é claro que minha resistência surda a cada ‘endireita essas costas’ que me dirigiram foi crucial para que eu chegasse a ser essa zênite, esse arquétipo das populações do futuro.

O que contribui para meu orgulho é que não foi um treinamento, não foi um comportamento dirigido ou uma busca consciente e incansável pela perfeição: foi tudo muito natural, predestinado. Nasci para ser corcunda e nada me desviaria desse fim… a menos que eu tivesse os cuidados com a saúde que não quis ter, porque preferi privilegiar o cérebro – se bem que, hoje, não sei se essa priorização tenha produzido algum efeito prático.

Soube que, ao contrário de mim – que cheguei a essa condição naturalmente – a população de 2822 terá as costas arqueadas como consequência do uso da tecnologia diuturnamente. Terá também pálpebras duplas e as mãos em formato de garras, graças ao uso cada vez mais contínuo dos celulares: as mãos pelo fato de sempre estarem segurando os smartphones; as pálpebras, como proteção pela excessiva exposição à iluminação da tela.

O estudo que chegou a esses novos padrões humanos que serão comuns dentro de oitocentos anos também concluiu pela diminuição do cérebro. Ou seja, o uso excessivo dos celulares nos levará todos a nos tornarmos pequenas aberrações. E, ao contrário da conclusão deles, não acho que serão necessários oito séculos para isso. 

Marco Antonio Zanfra

2 comentários

  1. A sua ‘corcundice” me fez lembrar de uma antiga piadinha, não sei se devo contar, face o adiantado da hora, mas conto assim mesmo. Estava o sujeito no banheiro a urinar, quando entra quase um quase Quasimodo de tão torto. Tira o respectivo membro pra fora e começa a se aliviar. O sujeito dá aquela discreta olhadinha de lado e fica maravilhado diante da perfeição do instrumento do recém-chegado. “Nossa, que p… bonito que você tem! Olhando assim, voce não tem vontade de ‘suga-lo’ (isso é bem-comportado, né?)” Responde o outro: “E por que você acha que eu sou corcunda?”

  2. Me lembrou a piada do sujeito que estava no banheiro e se encanta pela perfeição do p… do outro, um sujeito tão torto que era quase um Quasimodo.
    “Muito bonito, às vezes, você não tem vontade de ‘suga-lo’?” Resposta: “Por que você acha que eu sou corcunda?”

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