Cinquenta e tantos anos de jornalismo. Creio já ter visto quase tudo, falado com todo tipo de gente, mas ainda não tenho resposta para uma pergunta:
“E o Xaxá”?
Como todas as histórias, esta também tem um começo. Foi na finada Gazeta Esportiva,1972, primeiro emprego. Foca de tudo e zero conhecimento sobre esportes.
Ah, por falar em finada, ocorre-me agora que, além da Esportiva, “fechei” o Diário Popular, o Popular da Tarde, o Jornal da Tarde e a Gazeta Mercantil. Só não fechei a Folha e o Estadão, mas eles que se cuidem. Do jeito que andam…
De volta à Esportiva, entrei na redação e pedi emprego pro Moreira, “chefe do futebol”, um português com cara de bravo, mas gente fina. “Senta ali e penteia estes telegramas”.
Pentear telegramas?! Já me mandaram pentear macaco, mas telegramas?! Sentei-me no lugar do Solange Bibas. Uma máquina de escrever jurássica já naquela época desafiava minha datilografia capenga. Catando milho, montei um textinho.
Era setembro, época da Olimpíada de Munique e o Solange não era ela, mas ele. O Solange! Gente boa, generoso com os focas, como descobri um mês depois, quando voltou da Alemanha.
Aos poucos fui me adaptando àquela linguagem esportiva que, do alto do meu pseudo-intelectualismo universitário, julgava de menor importância. Marginal.
Pouco tempo depois, porém, me senti acolhido pelos colegas experientes e me tornei um repórter da editoria de futebol sem nunca ter entrado num estádio para ver uma partida. Jogo, só pela televisão. E só do Santos. Quanta empáfia!
Numa certa sexta-feira o Moreira me chamou e disse que no domingo eu ia “fazer” um jogo da Portuguesa de Desportos, lá no Canindé. No final da conversa, um pedido especial, quase dramático: “Olho no Xaxá, observe bem o Xaxá”.
No sábado, procurei me informar sobre o tal Xaxá. Pesquisei no arquivo, tentei gravar a imagem dele na memória, a partir de uma foto pouco expressiva. Se não me engano, era ponta direita.
Domingo, com o Xaxá em mente e um frio na barriga, lá fui eu para o meu batismo de fogo. Finalmente, eu ia fazer a cobertura de um jogo. “Olho no Xaxá”. O pedido do Moreira martelava meu cérebro. Sem dó.
Consegui entrar no campo o que, para um novato, era uma grande façanha. Qual um cacique Juruna antes de seu tempo (quem se lembra do Juruna?), carregava um enorme gravador de rolo, movido a pilhas, numa mochila em estilo militar. Tinha até microfone. Peso absurdo. Peso morto. Na entrada, pensaram que eu era algum radialista e me deixaram entrar em campo.
Não me lembro mais qual era o adversário da briosa Lusa, nem mesmo o resultado do jogo. Só me recordo de ter visto o Marinho Perez, zagueiro, talvez, que era famoso até para mim.
Fim do primeiro tempo e nada do Xaxá. Olhava cada cara que passava correndo pela minha frente e nenhuma delas parecia com aquela foto. Intervalo, segundo tempo.
Descobri que o jogo tinha uma súmula, na qual constava o nome de todos os jogadores. Pedi licença a um desconfiado fiscal da Federação e corri o indicador sobre aqueles nomes todos. Nenhum Xaxá. O orgulho besta e arrogante me impediu de perguntar a alguém se o tal Xaxá havia jogado. Danei-me.
Fim do segundo tempo, fim do jogo. De volta à redação, escrevi minha matéria, usei jargões da época, inventei, firulas, enrolei e tal. Entreguei o texto e minutos depois o Moreira, lá do fundo da redação, fez a pergunta que até hoje me atormenta, que até hoje eu não consegui responder:
“Mas e o Xaxá”?
Mas, esperem. A historinha ainda não acabou. Esse episódio do Xaxá foi uma lição importante para minha vida profissional. Por inexperiência, “foquice” ou arrogância juvenil, não me dei ao trabalho de perguntar a alguém se o Xaxá estava ou não em campo. Era o mínimo que um repórter deveria fazer.
Não fiz, mas aprendi que jornalista que se preza não desiste de sua pauta. Pauta é missão. E missão dada deve ser cumprida. Para finalizar, Xaxá chama-se Maximiliano Rodrigues Lopes, hoje está com 72 anos e vive no Guarujá. Seu nome estava relacionado na súmula. O Xaxá jogou.
Perdão, Moreira.
Pobre Xaxá, ignorado por um foca!