Do lado de lá

Sonhei que tinha morrido e que fui recebido pelo chargista Frank Maia na portaria do local para onde vão os desencarnados. Ele estava lá há mais de ano. Fiquei feliz por encontrar uma cara conhecida, que podia ajudar a me ambientar na nova – e talvez última – morada.

– Aqui é céu ou inferno? – perguntei depressa, porque não sabia para onde o Frank tinha ido, e, logicamente, para onde eu mesmo estava sendo encaminhado.

– Tem mais disso, não! – ele disse, galhofeiro. – Esse é um conceito ultrapassado. Só os carunchos mofados de igreja ainda pensam assim! Modernidade, véio! Não existe mais esse negócio de céu e inferno. O mundo das almas mudou, virou corporativista. Foi compartimentado, e até rima: cada qual com seu qual, seja do bem ou do mal…

Ele contou que os espaços foram redesenhados de acordo com o que o tutor da alma tinha realizado em vida. Arquitetos de um lado, assistentes sociais de outro, juízes e desembargadores de outro – obviamente, melhorzinho que os demais – jornalistas de outro…

Onde estávamos – um espaço multicolorido, cheio de outdoors com dizeres desconexos, mas com gargalhadas pintadas em baixo – era uma área destinada aos metidos com a comunicação em geral, especialmente com a comunicação leve e descompromissada.

– Aqui, ficam os que trabalharam com a criação, com o humor, com a arte das ruas e dos botecos – Frank explicou. – Os engraçados estão aqui. Aqueles que achavam que rir era o melhor remédio e que acabaram descobrindo que estavam enganados, pois senão não teriam morrido!

Já que estava lá, deduzi devia ser considerado um dos engraçados. “Embora estivesse ficando cada vez mais chato”, na opinião de meu cicerone.

– É, acho que comecei a ficar chato depois que parei de beber – reconheci.

– Pois é – ele concordou! – Parou de beber, virou um chato; antes de parar, era só insuportável!

Pois é. Eu sabia que o Frank continuava sendo um gozador, mesmo depois de morto!

Sonhos e brincadeiras à parte, tenho curiosidade em saber o que acontece quando a gente morre, quando termina nosso prazo de validade. Tenho apenas uma ressalva: sou curioso nesse sentido, talvez como a maioria da população, mas não tão curioso a ponto de querer que antecipem meu encontro com a derradeira verdade.

Mas, enfim, como será o depois? Uma escuridão, como uma lâmpada que se queima, e mais nada? Será que viramos um holograma que desconhece a própria morte e sai correndo atrás do assassino, como Patrick Swayze, em ‘Ghost’? Será que ficamos como uma bateria desconectada, mas com carga armazenada para reiniciar os trabalhos? Será que viramos energia, com missão de provocar efeitos ‘poltergeist’ em tevês com problemas de sintonia? Ou será que vamos vagar sem noção pelos cantos escuros de locais mal-assombrados, arrastando correntes e soltando uivos tenebrosos?

Pois nenhuma religião comprovou até agora o que acontece após o nosso ‘the end’. Dizem que alma é imortal, mas não trouxeram atestados incontestáveis disso. Nem Chico Xavier, que passou a vida transcrevendo mensagens do Além, comprovou a eternidade da alma, já que não mandou um bilhetinho sequer depois de partir.

Uns nos mostram correndo saltitantes em campos floridos e cheios de cor; outros nos apresentam sendo fisgados por tridentes em brasa, num ambiente sem ar-condicionado e com mais de cinquenta graus de calor; outros ainda nos remetem a uma espécie de pousada nas montanhas, sob a gerência monocórdia e chatinha de Othon Bastos. Mas não vi matéria nos jornais ou no Jornal Nacional garantindo que a vida pós-morte é fato, e não ‘fake’.

Revelar a verdade sobre o que acontece após os finalmente daria uma excelente pauta. Só espero que seja destinada a outro repórter.

Marco Antonio Zanfra

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