Faz mais de quarenta anos que tive meu encontro inicial com os jargões da reportagem policial.
Foi no primeiro crime violento que cobri, no Palacete das Águias, antigo e emblemático reduto do baixo meretrício da Boca do Lixo, na esquina da Barão de Limeira com a rua General Osório. Foi no segundo andar desse prédio que uma pobre prostituta de vinte e poucos anos havia sido assassinada a facadas.
Cru de tudo, engatinhando na área, entrei no edifício medindo os passos e desviando de alguns convites indecorosos de meninas que, indiferentes ao drama deflagrado dois andares acima, não haviam dado folga ao expediente.
Ainda temeroso, titubeante, dei de cara, na porta do quarto, com um vetusto delegado encostado ao batente. Ele não me deixou entrar, alegou que atrapalharia o trabalho da perícia, mas se dispôs a me repassar alguns detalhes:
“O corpo da moça estava em decúbito ventral.”
Decúbito ventral?
Aquilo me soou na hora como algo ligado a janelas, como defenestrar – se bem que, certamente, eu não saberia à época o significado de defenestrar. Soou estranho, mesmo saindo da boca de um delegado bigodudo, que usava uma camisa amarrotada e uma gravata torta e folgada no pescoço, como, no meu imaginário de foca, deveriam vestir-se todos os delegados de polícia.
É bom deixar claro que a palavra não me era desconhecida. Como havia passado seis meses na revisão do jornal, já a havia lido em alguns textos do extinto ‘Notícias Populares’. Mas era a primeira vez que a ouvia da boca de alguém, que me defrontava com ela ao vivo – ou quase ao vivo, dadas as condições em que a moça fora encontrada.
Usá-la no texto? Bem que pensei nisso, mas o chefe – o calejado Hely Vannini, repórter policial das antigas, cujas reminiscências começavam invariavelmente com “uma vez, tava de fogo…” – proibiu. Ainda nem tinham inventado o manual de redação da ‘Folha’, mas o titular da seção policial já antevia que, ao contrário do que fazia o ‘NP’, os jargões deveriam ser usados com comedimento. Por isso, escrevi que a vítima havia sido encontrada de bruços.
Ao longo da carreira, e foram quase quinze anos fazendo só polícia, nunca me obriguei a jamais lançar mão de jargões: usei viatura, dar voz de prisão, ser crivado de balas, ser fuzilado, ser metralhado, ser executado… Acho que essas expressões dão uma certa cor ao noticiário policial. Nada que fuja ao bom-senso, ou soe pernóstico.
Mas posso garantir que nunca escrevi como escreviam repórteres policiais folclóricos, anos 60, que usavam agente da lei, causídico, nosocômio, erva maldita, meliante, vias de fato, necrópole, larápio ou ir a óbito.
O noticiário tem de ter cor. Mas ela não pode ser berrante.
Positivo e operante, o larápio fugiu em desabalada carreira e se homiziou em lugar incerto e não sabido