Carente, sim, mas muito bem acompanhado!

Pode-se dizer que a carência é inerente do ser humano. O potrinho e o bezerrinho nascem, sozinhos, minutos depois se põem de pé e, dias depois, estão a saltitar serelepes por aí. O bebê humano não. Custa quase dois anos ou mais para ele consegui andar com as próprias pernas e com uma certa firmeza. E ainda assim com todo o suporte do papai ou da mamãe dele.

Alguns anos à frente, vamos observar um bom exemplo de carência: ela é jovem, bonita, realizada profissionalmente, tem uma legião de amigos fiéis ao seu redor, um namorado que é o sonho de consumo das amigas, mas é extremamente carente. Disse ela, mas poderia ser ele, pois carência há muito deixou de ser privilégio deste ou daquele gênero.
 
Quase todo mundo, hoje em dia, tem um (a) amigo (a) ou conhece alguém assim. Aí alguém indaga, se você não é psicólogo, psicanalista, terapeuta, como vai descobrir o nível de carência de alguém; simples, basta deduzir. E existe um espaço quase abissal entre o que nós observamos, cá do lado de fora, e o que a pessoa realmente sente por dentro.

E de nada adianta ponderar, “Mas você é jovem, bonita, tem um baita emprego, amigos leais, namorado bacana etc.” Vai ouvir na lata: “Já estou com um pé de galinha aqui, outro ali; não me acho tão bonita assim, o dinheiro não dá pra nada, meus amigos são uns chatos e vivem pegando no meu pé, meu namorado é o maior galinha do pedaço.” E o que lhe sobra então: a carência.

Para lutar contra essa situação, alguns psicólogos recomendam autonomia, competência e relacionamentos. Aparentemente fácil, não é? Não é. No primeiro caso, é preciso que a pessoa tenha aquela sensação de que pode mudar o rumo de sua vida, quando lhe der na telha. No segundo, que ela descubra a sua capacidade de realizar coisas em sua vida. E por fim, o óbvio, como nenhum homem é uma ilha, o ser humano nasceu para viver acompanhado, sozinho é carência na certa.

Todos nos relacionamos no dia a dia e sabemos o quanto relacionamentos são complicados. Há os de troca, frios, formais, no máximo civilizados, o mesmo que temos com o balconista da padaria, com o frentista do posto, com o nosso chefe, muitas vezes. Precisamos muito do emprego e ele, às vezes, necessita de nós!

Os relacionamentos de comunhão, ao contrário, precisam ser muito mais elevados, sublimes quase. São aqueles que encontramos entre parentes (nem sempre, é claro), amigos de verdade, namorados, noivos, marido e mulher. Neste caso, temos a certeza de que o outro realmente se importa conosco.

A verdade é que nossa carência decorre, na maior parte das vezes,
de quando nossas expectativas superam em muito a boa vontade do outro de nos dar carinho, afeto, amor; da capacidade dele em reconhecer nossas qualidades. Se damos colo e atenção, o mínimo que queremos é receber na mesma moeda, o que, infelizmente, nem sempre ocorre.

Ficamos carentes quando mandamos aquele “Bom Dia” efusivo e o máximo que nos dão de volta é um breve resmungo ou quando cedemos a vez no trânsito e nem sequer recebemos uma buzinadinha de agradecimento. Mas o pior dos mundos, situação cada vez mais comum nos dias de hoje, é quando nosso(a) parceiro(a) esquece que estamos ao seu lado e simplesmente nos troca pelo celular ou qualquer outro equipamento eletrônico.

A conversa eletrônica se estende por minutos e minutos e nós, ali
do lado, nadando de braçadas naquele mar de dúvidas: “Será que ele/ela gosta mesmo de mim?”, “O que estou fazendo aqui, afinal”, “O que será que esse ser na outra ponta da web tem que eu não tenho?”. Longe de me arvorar em psicólogo ou qualquer coisa que o valha, mas a cura da carência, evidentemente, só vem com a elevação da autoestima.

É aí que entramos naquele tal círculo vicioso; precisamos do outro para nos valorizar, para nos ajudar a ganhar confiança em nós mesmos, alguém que realmente nos compreenda, mas como fazê-lo se esse outro simplesmente nos ignora? Se colocarmos como meta enfrentar nossas carências sozinho, o que não é tarefa fácil, precisaremos de muita coragem e autodeterminação, pois é evidente que, num primeiro momento, vamos de rrapar, voltar à estaca
zero, começar de novo, mas temos que enfrentar esse monstro.

Se serve de consolo, vamos ficar com a citação da jornalista Martha Medeiros: “Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra nos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo.”

Manoel Dorneles

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