Cala a boca, animal!

Seu Joênio, meu vizinho aqui em Florianópolis, tinha um cachorro que era mais ardido que uma colher cheia de carolina reaper curtida no vinagre de álcool: latia o dia inteiro, com direito a hora extra e adicional noturno, e tinha a estranha predileção por enfiar a cabeça acima do muro e ladrar a alguns centímetros da janela de nosso quarto. Seu latido era esganiçado, como um adolescente em fase de mudança de voz, e seu fôlego permitia uma performance contínua, sem parar para respirar.

Pode parecer paranoia, mas ele devia ter informações privilegiadas de nossa rotina doméstica, pois escolhia latir naquele ponto do muro sempre que estávamos no quarto, muitas vezes dormindo.

Não era um cachorro grande. Um vira-latas médio, podíamos dizer, com aquele olhar arrogante dos que se julgam melhor que nós, porque se formaram pela faculdade da vida. Por não ser grande e por conseguir sobrepor-se ao muro, que media um metro e sessenta, obviamente ele tinha de subir numa base acima do nível do chão – colocada estrategicamente próxima à janela do nosso quarto.

Donde podemos concluir – sem apontar culpados, por falta de provas – que seu Joênio devia emprestar sua conivência para o cão nos atazanar. Vimo-nos por isso obrigados a aumentar um trecho do muro em pelo menos vinte centímetros, para afastar da janela sua incômoda estridência.

Pois bem: pensamentos negativos acabam por trazer arrependimento às pessoas de boa índole, como eu, mas na época eu desejei muita coisa de ruim para o animal – que ele caísse de seu pedestal e quebrasse uma, ou duas, ou três pernas; que ele fosse acometido por uma laringite braba, que o deixasse sem ladrar até que repensasse seus conceitos sobre o sossego alheio; que suas cordas vocais fossem enroladas em um nó de marinheiro, a ponto de sua garganta ser capaz de emitir apenas suaves murmúrios chorosos… Pensamentos odiosos, mas nascidos em momentos de ódio!

No final das contas, minhas preces acabaram por ser atendidas, mas de uma forma bastante radical – juro que muito além do que poderia ter desejado meu espírito vingativo: um exame de abelhas invadiu o quintal e matou o cão a ferroadas. Talvez elas também estivessem irritadas com o latido constante; talvez elas estivessem sendo atraídas pela carga negativa de pensamentos destrutivos, como os meus… Mas, só sei que a paz que se seguiu compensou o remorso pela forma como ela chegou.

Lembrei-me desse passado distante ao ler nos jornais que meu incômodo poderia ter sido resolvido de uma forma muito mais civilizada: bastaria que uma lei o proibisse de latir…

Pelo menos é isso que dá para imaginar a partir da legislação aprovada por unanimidade pelos vereadores de Penha, no litoral norte catarinense: a nova lei estabelece multa de R$ 23 mil aos donos de animais barulhentos que não impedirem o barulho dos animais. Ou seja, os cães ficam proibidos de latir, seja lá de que forma seus donos se utilizem para conseguir isso. Grande parte dessas ‘formas’ pode ser considerada maus-tratos aos animais, a menos que os donos contratem um enxame de abelhas para dar fim definitivo aos latidos.

Embora não estabeleça em que medida deve ser considerado perturbador do sossego o barulho produzido pelos cães, a lei também pune outros tipos de ruídos incômodos, como gritarias e algazarra, abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos (como alarmes) e ‘profissão ruidosa’, seja lá que tipo de atividade isso alcance. A proposta é de autoria do vereador Everaldo Dal Posso (PL) e passou por todas as comissões antes de chegar ao plenário.

O prefeito Aquiles da Costa (MDB) vetou a lei. Como o projeto foi aprovado por unanimidade, pode ser que os vereadores derrubem o veto, embora, com a repercussão negativa do episódio, muitos deles aleguem ter votado sem estudar detalhadamente a proposta. Calar os cães? Ora, ora…

De minha parte, continuo defendendo que eles sejam livres para latir. Desde que não seja perto da minha janela…

Marco Antonio Zanfra

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