Comecei a fazer visitas esporádicas ao perfil de Hélio Mauro Armond no Facebook depois de descobrir que ele tinha Alzheimer. Não que eu conseguisse fazer algo por ele, ou que fosse capaz de ajudá-lo a transpor seus desafios… Eu só queria partilhar da vida e dos problemas de alguém com quem convivi sete dos nove anos em que trabalhei na Folha, ainda que sua mente não pudesse acompanhar essa minha preocupação.
Foi por meio desse monitoramento meia boca que fiquei sabendo, no início de janeiro, que ele havia morrido dois meses antes.
Não houve comunicado da família. Vasculhei os votos de pesar que se seguiram ao relato do falecimento no FB e só encontrei desconhecidos. Quero crer, então, que todas as pessoas que conviveram com ele em seus vários anos de jornalismo não tinham ficado sabendo da morte. Provavelmente eu possa ter sido o único de seus ex-companheiros de jornada a monitorar seus passos após a descoberta da doença.
Por que isso? A pessoa está aqui agora e de repente não está mais. O que ela representou em vida parece não representar mais nada, a partir do momento em que não há mais o convívio, a simbiose, o mútuo partilhamento de interesses profissionais. No meu caso, foram sete anos de convivência. Não é algo que se possa jogar fora como se rasga um álbum de recordações. Por isso é que fiquei atento ao desenvolvimento de sua doença. Queria me sentir presente, ainda que isso não representasse mais nada em termos práticos.
Descobri que ele tinha Alzheimer em julho do ano passado, quando tentei cumprir um ritual de todos os anos de desejar-lhe feliz aniversário. Vi, então, uma postagem de fevereiro em seu perfil, feita por um familiar, alertando que ele estava desaparecido e descrevendo sua condição de saúde.
Meu último ano de trabalho com Hélio foi em 1989. Depois disso, só o encontrei novamente em abril de 2018, quando um grupo de ex-companheiros da Folha se reuniu no bar Canto Madalena, para o lançamento de meu segundo livro, ‘A rosa no aquário’. Ele parecia bem. Uma ligeira confusão mental sobre quantos anos completaria em seu próximo aniversário não me pareceu alerta de nada: quantos de nós não nos confundimos às vezes.
No ano seguinte, ele não respondeu ao convite para um novo lançamento, mas não dei importância. Tínhamos ficado 29 anos sem nos ver, que diferença faria um ano a mais?
Mas foi justamente esse tempo sem contato que está causando a angústia de agora. Foram sete anos de convivência, por que 30 anos de ausência não representariam nada? A vida dele deixou de me interessar a partir do momento em que paramos de ter a convivência profissional? Sua vida voltou ao meu radar somente depois que descobri sua doença? As pessoas só voltam a ser solidárias quando sua solidariedade não representar mais nada de útil?
Dos meus 366 amigos no Facebook, 71 – incluindo o próprio Hélio Mauro Armond – são ex-colegas da Folha. Às vezes, nos encontramos virtualmente, mas nem sempre o algoritmo deseja que matemos as saudades. Para mim, que não moro mais em São Paulo, uma ferramenta para manter contato e manter-me presente é desejar-lhes feliz aniversário, quando a própria rede nos avisa da data. Mas essa ferramenta pode, como no caso presente, reservar-nos notícias ruins. E tardias.
E desejar feliz aniversário basta? Como continuar presente na vida dos amigos sem depender apenas de redes sociais? Como não sofrer tardiamente por uma amizade que você deixou perder-se no tempo?
Também trabalhei algum tempo com Hélio Mauro, na FSP.
Um dia, todo orgulhoso, me contou isto: certa manhã, beija a filha de menos de dez anos e lhe diz:
– Bom dia, flor!
Ela responde, rápida:
– Bom dia, beija-flor!
*
E ele sorria, lembrando-se de sua flor. Nunca esqueci esse sorriso.
Singelo e emocionante.
Obrigada pela homenagem ele sempre foi e continuará sendo no nosso coração ❤️
Meu tio era uma pessoa maravilhoso e especial.